O Estado de S. Paulo, n. 46565, 14/04/2021. Internacional, p. A14

Cidades dos EUA registram 3ª noite de protestos raciais



Várias cidades americanas registraram ontem a terceira noite seguida de protestos raciais. A nova onda de manifestações começou no domingo, após Daunte Wright, negro de 20 anos, ser morto pela policial Kim Potter na cidade de Brooklyn Center, subúrbio de Minneapolis.

Nos últimos dias, manifestações foram registradas em Nova York, onde uma multidão marchou do bairro do Brooklyn até Manhattan, em Minneapolis, Kansas City, Omaha, Los Angele e Seattle, onde foi montada uma vigília com velas acesas.

Ontem, a policial que atirou em Wright e o chefe de polícia local, Tim Gannon, pediram demissão – medidas que o prefeito espera que ajudem a acalmar os ânimos. Kim trabalhava no Departamento de Polícia de Brooklyn Center havia 26 anos. Segundo depoimentos e imagens de vídeo, ela pretendia usar o taser – arma de choque elétrico –, mas se confundiu e sacou a pistola.

No início da tarde de domingo, policiais pararam Wright em razão de uma infração de trânsito. Quando descobriram que ele tinha um mandado de prisão pendente, tentaram prendê-lo. Ele já estava fora do carro quando reagiu à prisão e começou a lutar com um dos agentes.

Imagens de câmeras usadas

no corpo dos policiais mostram Kim correndo para ajudar o agente que lutava contra Wright. Ela puxou sua pistola e a segurou por sete segundos, gritando três vezes: "Taser, taser, taser" (a arma de eletrochoque, em inglês). Em seguida, ela dispara contra Wright. "P..., atirei nele", disse

Kim, surpresa. Mesmo ferido, Wright conseguiu entrar no carro e arrancar, dirigindo por alguns quarteirões antes de bater em outro veículo. Os policiais ainda tentaram reanimá-lo, mas ele morreu no local. A namorada, que estava no banco do carona, ficou ferida.

A polícia considerou o caso como um "disparo acidental". Ontem, no entanto, especialistas tentaram explicar como uma policial com 26 anos de experiência poderia ter confundido a pistola com uma arma de choque, bem mais leve e desenhada especialmente para se diferenciar de uma arma de fogo.

Alguns citaram dois casos parecidos. O primeiro de 2009, em Oakland, na Califórnia, quando um guarda de trânsito sacou a pistola, em vez do taser, e matou Oscar Grant, de 22 anos. O segundo de 2015, em Tulsa, no Estado de Oklahoma. Um policial matou Eric Harris, de 44 anos, ao disparar acidentalmente seu revólver também pensando que era uma arma de choque. Ambos – Grant e Harris – eram negros.

A morte de Wright parece parte de um roteiro conhecido de violência policial contra negros nos EUA. Segundo estudo da Northwestern University, publicado em 2019, um em cada 1.000 negros americanos é morto pela polícia. O risco aumenta entre os 20 e 35 anos.

Wright foi morto a poucos quilômetros de onde está sendo realizado o julgamento do ex-policial Derek Chauvin, acusado de assassinar outro negro, George Floyd, no ano passado. Na segunda-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, pediu que os protestos contra a morte de Wright sejam pacíficos e defendeu uma investigação completa do incidente. "É realmente uma coisa trágica o que aconteceu, mas acho que temos de esperar e ver o que a investigação mostrará", disse Biden.

A mãe de Wright, Katie, disse que o filho lhe telefonou no domingo para dizer que a polícia o havia parado por ter um desodorizador pendurado no espelho retrovisor, o que é ilegal em Minnesota. Ela disse que ouviu um policial pedir que o filho saísse do carro. "Ouvi uma briga, e ouvi policiais dizendo 'Daunte, não corra'", contou a mãe, aos prantos. Segundo Katie, a ligação caiu e, quando ela ligou de volta, a namorada do filho atendeu e disse que ele estava morto no banco do motorista.

O pai de Wright, Aubrey, disse ao programa Good Morning America, da ABC, que rejeita a explicação de que a policial possa ter confundido sua pistola com uma arma de choque. "Perdi meu filho. Ele nunca mais vai voltar. Não posso aceitar isso. Um erro? Isso não parece certo. Esta policial está na ativa há 26 anos. Não posso aceitar isso", afirmou./ NY e AP

Alto risco

3 vezes

mais chances tem um negro de ser morto pela polícia do que um branco nos EUA, de acordo com estudo do 'American Journal of Public Health'

Cronologia

Histórico de violência racial

26/2/2012

Trayvon Martin

Jovem negro de 17 anos é morto a tiros em Sanford, na Flórida, por George Zimmerman, policial de 28 anos. A absolvição de Zimmerman, em julho de 2013, levou um grupo de ativistas a fundar o Black Lives Matter ("Vidas Negras Importam).

17/7/2014

Eric Garner

Negro de 43 anos foi estrangulado por 15 segundos por Daniel Pantaleo, policial branco de Nova York. Pantaleo perdeu o emprego, mas não foi indiciado.

9/8/2014

Michael Brown

Jovem negro de 18 anos foi abordado pelo policial branco Darren Wilson, em Ferguson, no Missouri. Ele morreu com seis tiros à queima roupa. "Don't shoot" ("Não atire"), suas últimas palavras, viraram slogan nos protestos raciais nos EUA. O policial não foi indiciado.

13/3/2020

Breonna Taylor

Três policiais brancos invadiram o apartamento da jovem negra de 26 anos em Louisville, no Kentucky. Assustado, o namorado de Breonna, Kenneth Walker, que tinha posse de arma, atirou e feriu um deles. Ela foi executada com oito tiros.

25/5/2020

George Floyd

Negro de 46 anos morre em Minneapolis, asfixiado pelo policial Derek Chauvin, branco, que ficou 9 minutos e 29 segundos com o joelho sobre o pescoço de Floyd, enquanto tentava imobilizálo. Chauvin está sendo julgado em Minneapolis.

23/8/2020

Jacob Blake

Negro de 29 anos recebeu sete tiros pelas costas na frente dos filhos em Kenosha, Wisconsin. Blake sobreviveu, mas ficou paralisado abaixo da cintura. O policial Rusten Sheskey não foi indiciado.