O Globo, n. 31601, 13/02/2020. Economia, p. 26

“Empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada”

Manoel Ventura
Gabriel Martins


O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que o dólar mais alto é “bom para todo mundo”. Ele afirmou que, coma cotação da moeda americana mais baixa, “todo mundo” estava indo para a Disney, nos Estados Unidos, inclusive “empregada doméstica”. E recomendou que os brasileiros viajem pelo Brasil.

— O câmbio não está nervoso, (o câmbio) mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Peraí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil. Está cheio de coisa bonita para ver — disse Guedes, em um evento em Brasília. Ele prosseguiu: — Antes que falem: ministro diz que empregada doméstica estava in dopara a DisneyNão, o ministro está dizendo que o câmbio estava tão barato queto do mundo está indo para a Disneylândia, até as classes sociais mais...

‘Quatro com quatro’

Na sequência, Guedes recomendou outros pontos turísticos no Brasil:

— Todo mundo tem que ir para a Disneylândia, conhecer um dia, mas não três, quatro vezes por ano. Porque com dólar a R$ 1,80, tinha gente indo quatro vezes por ano. Vai três vezes para Foz do Iguaçu, Chapada Diamantina, conhece um pouquinho do Brasil, vai ver a selva amazônica. E na quarta vez você vai para a Disneylândia, em vez de ir quatro vezes ao ano.

Guedes afirmou que o Brasil já passou pelo momento de dólar baixo e juro alto. Hoje, porém, a Taxa Selic está em 4,25% ao ano. Para o ministro, é melhor “quatro com quatro” (dólar na casa de R$ 4 e juro em torno de 4%) do que dólar a R$ 1,80 com juros a 14%:

— O juro é um pouco mais baixo, o que é bom para todo mundo. E, ao mesmo tempo, um câmbio um pouquinho mais alto, o que é bom para todo mundo. Mais exportação, mais substituição de exportações, inclusive em turismo.

Em 25 de novembro do ano passado, Guedes afirmou que não estava preocupado coma cotação elevada do dólar, também citando os juros mais baixos. O mercado interpretou que o governo não iria intervir no câmbio, e no dia seguinte amoeda atingiu R$ 4,239, recorde na ocasião.

Na semana passada, o ministro comparou servidores públicos a parasitas. Depois, disseque a declaração havia sido tirada de contexto e pediu desculpas. Ontem, Guedes disse que levou bronca até da mãe:

— Meu primo, minha madrinha e até minha mãe, que foi funcionária pública, me escreveram (criticando), disseram que trabalhavam. Mas não falei dos indivíduos, há pessoas que são sérias e merecem todo respeito.

As declarações sobre o dólar ontem foram feitas durante o Seminário de Abertura do Ano, organizado pelo grupo “Voto”. Integrantes do governo,como os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, participaram do encontro, em momentos diferentes. Na plateia, havia empresários, como Jorge Gerdau. Ainda no evento, Guedes disse, em relação ao presidente Jair Bolsonaro, que o que importa é o conteúdo:

— Não estou ligando muito para os maus modos do presidente, eu tenho maus modos também, vivo falando besteira. A forma a gente erra, mas o importante é o conteúdo.

Câmbio pode ir a R$ 4,45

O dólar comercial avançou 0,55% ontem, a R$ 4,35, novo recorde. Pesou o resultado fraco do varejo em dezembro, que se somou ao fato de o mercado brasileiro estar pouco atraente para investidores estrangeiros, com a Selic em sua mínima histórica. Analistas já estimam que a divisa pode atingir R$ 4,45.

— Parece que o mercado se convenceu a trabalhar com esse patamar de R$ 4,30 e que está testando o Banco Central, para avaliar até que ponto a autoridade monetária permite uma valorização da moeda americana sem intervir — disse Jason Vieira, economista-chefe da gestora Infinity Asset.

Flávio Byron, sócio da Guelt Investimentos, estima que, se a Selic cair mais e as reformas não caminharem, o dólar pode ficar entre R$ 4,40 e R$ 4,45. Daqui a dois meses, recuaria a R$ 4,10.

Para Alexandre Espirito Santo, economista da Órama, concorda:

— Os fundamentos da economia seguem sólidos, mas dada a atual conjuntura interna, com juros na mínima e externa, com a emergência global de coronavírus, é possível que a moeda chegue a R$ 4,45.