O Estado de S. Paulo, n. 46565, 14/04/2021. Política, p. A10

Entidades veem 'açodamento' em revisão da lei

Rayssa Motta
Anne  Warth
Camila Turtelli


Um grupo de 70 entidades da sociedade civil divulgou um manifesto com críticas ao debate, "de forma açodada", sobre a Lei de Segurança Nacional (LSN) pelo Congresso. A Câmara havia marcado para ontem a votação de urgência do projeto de lei que revoga a LSN, mas não houve acordo entre os parlamentares e a discussão foi adiada. Deputados querem mais tempo para analisar o texto da relatora, Margarete Coelho (Progressistas-pi). Segundo ela, a votação do projeto deve ocorrer na próxima terça-feira.

O documento das entidades – intitulado Pacto Pela Democracia – defende a superação da Lei de Segurança Nacional, mas com "participação e amplo debate". "Causa-nos extrema preocupação a possibilidade de votação, em regime de urgência, desse projeto, sem que seu conteúdo possa ser conhecido e debatido pelos diversos setores da sociedade, incluindo não só organizações e movimentos sociais, mas também juristas com expertise no tema", registra o comunicado.

Assinam a nota conjunta Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Conectas Direitos Humanos, Fundação Tide Setúbal, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto Igarapé, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), WWF Brasil, Oxfam Brasil, entre outras entidades e movimentos sociais.

"Por mais importante que seja a aprovação de um novo marco legal que proteja a democracia, isso não pode ocorrer de forma açodada, sem o adequado debate e reflexão, sob pena de reproduzir ou incluir conceitos e dispositivos incompatíveis com os pilares da Constituição Federal de 1988", argumentam.

Na manifestação, as entidades sugerem um debate com a sociedade civil antes da votação de um novo marco legal. Segundo elas, há preocupação com a possibilidade de a reforma da LSN abrir caminho para a criminalização de movimentos sociais e correntes políticas. A proposta é para que os novos mecanismos sejam aprovados na forma de um estatuto mais "conciso', sem termos "genéricos" ou "tipos penais imprecisos".

A deputada Margarete Coelho afirmou na semana passada ao Estadão/broadcast que a intenção da Câmara é revogar a atual legislação. De acordo com a parlamentar, no lugar será votada a chamada "Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito", que pressupõe, entre outros pontos, instituir o crime de "golpe de estado", inexistente na legislação atual nestes termos. O novo texto terá como base um projeto apresentado em 2002 pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior.

Investigações. A Lei da Segurança Nacional foi sancionada pelo presidente João Figueiredo em 1983 para listar crimes que afetem a ordem política e social – incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República. O dispositivo voltou ao debate após investigações serem abertas com base na lei no governo Jair Bolsonaro.

"A tramitação de uma legislação de tamanha envergadura para a democracia não pode avançar sem amplo debate e participação de qualidade de diferentes setores da sociedade brasileira", diz o Pacto. "Um compromisso para que a nova legislação não incorra no risco de respaldar ataques à democracia e perseguições contra movimentos e entidades pressupõe que diferentes momentos de escuta qualificada sejam promovidos nas Casas Legislativas", sustentam as entidades. / Rayssa Motta, Anne Warth e Camila Turtelli

'Ameaça'

"O novo marco não pode servir de ameaça à ação de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e ao pluralismo político, que são base da democracia brasileira."

Trecho do documento Pacto pela Democracia, assinado por 70 entidades da sociedade civil