O Estado de S. Paulo, n. 46565, 14/04/2021. Política, p. A8

Presidente ignora celular seguro

Vinícius Valfré


Além de instalar uma nova crise na Praça dos Três Poderes, a divulgação da conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-go) expôs mais uma vez a fragilidade no sistema de comunicação do presidente Jair Bolsonaro. A falta de confidencialidade transformou o que seria uma conversa privada com um congressista próximo em novo atrito entre instituições.

Esta não foi a primeira vez que o presidente, adepto de celular pessoal para conversas com políticos e pessoas de sua confiança, teve diálogos expostos – em alguns casos, por ele próprio. Orientado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), Bolsonaro troca de número com frequência. Contudo, a maneira como usa o celular deixa brechas para contratempos.

O presidente gosta de usar um aparelho pessoal para receber e fazer ligações e para trocar mensagens com aliados, o que não é recomendado pela inteligência do governo.

O celular fornecido pela Abin, o Terminal de Comunicação Segura (TCS), é repleto de restrições e não permite a instalação de aplicativos externos. Todos os agentes públicos que tratam de “assuntos de interesse do serviço público e do Estado” podem ter o equipamento, controlado pelo GSI. O dispositivo contém mecanismos de criptografia exclusivos.

Mas Bolsonaro prefere o Whatsapp. Embora não recomendado, ele usa o aplicativo para liderar o governo. É com ele que interage com a equipe, dá ordens, encaminha denúncias e até coordena a sua “Abin paralela”, formada por agentes de segurança nos Estados que lhe abastecem pela manhã com informações reservadas.

No fim de semana, Bolsonaro atendeu o telefone pessoal com um arrastado “Fala, Kajuru”. O parlamentar já disse no Senado que grava conversas com todos os políticos com quem interage. Para gravar Bolsonaro, ele relatou que o método foi menos sofisticado. Telefonou, ligou o viva-voz do celular e um de seus assessores aproximou outro aparelho em modo de gravação.

Segundo especialistas, mesmo as mais refinadas tecnologias da inteligência do governo podem deixar brechas para que o presidente fique exposto. A técnica de Kajuru driblaria até mecanismos mais sofisticados.

Especialista em cibersegurança, Lucas Galvão, da Mission Command, disse ser possível aplicar camadas de proteção sobre as formas de se comunicar por dispositivos móveis, seja por SMS, e-mail ou voz. Esse incremento, porém, depende também da disposição do usuário de acolher novos protocolos. “O presidente deveria se comunicar por meio das ferramentas que o próprio governo e a Abin recomendam”, disse.

A preferência do presidente pelas ferramentas mais populares já rendeu desgastes anteriores. Em maio passado, mensagens trocadas com o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro se tornaram públicas e revelaram a pressão do presidente pela troca do comando da Polícia Federal para proteger aliados. Na mesma época, Bolsonaro teve a ideia de, diante das câmeras, mostrar mensagens trocadas com Moro para rebater a tese de interferência. Acabou exibindo que cobrou de Moro informações sobre a participação da Força Nacional em ajuda a órgão ambiental para a destruição de maquinário usado no desmatamento da Amazônia. O deslize colocou mais uma lenha na fogueira da crise ambiental.

Os desentendimentos que resultaram na demissão do então secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, também passaram pelo “zap” de Bolsonaro. Após ser acusado de ter mentido sobre conversa com o presidente, Bebianno divulgou áudios de diálogos com Bolsonaro.

Procurado, o GSI não se manifestou até a conclusão desta edição.