O Globo, n. 31601, 13/02/2020. Rio, p. 16

Marielle: polícia procura arma em cisternas

Rafael Nascimento de Souza


Setecentos dias após a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mergulhadores da Polícia Civil inspecionaram ontem 27 cisternas de casas e a rede de esgoto de um condomínio fechado em Jacarepaguá, para tentar encontrar a submetralhadora usada no crime. O empreendimento, segundo os investigadores, foi construído pela milícia que atua na região. A arma não foi localizada.

Os agentes apreenderam, no entanto, munição, um carregador de pistola e um carro de luxo numa casa, cujo morador fugiu. Foi instaurado um procedimento para apurar a propriedade do material, e o veículo será periciado. Esse caso, segundo os investigadores, não tem relação com o assassinato da vereadora.

Respaldada por uma autorização da Justiça, a ação foi realizada pela Delegacia de Homicídios da Capital, com o apoio de agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, e do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual.

O condomínio fica na Rua Araticu, no bairro do Anil, uma área dominada por milicianos. Os prédios foram erguidos sem licença numa área de mata junto à Floresta da Tijuca. O residencial tem pórtico, guarita, dezenas de casa e edifícios de até dez andares, além de um supermercado, que, segundo moradores, foi construído sobre um rio, o que seria o motivo dos constantes alagamentos na região.

Extorsão a moradores

Em 2014, a prefeitura chegou a embargar o loteamento, onde vivem hoje cerca de 20 mil pessoas, mas isso não impediu o avanço das construções. Em abril do ano passado, a Secretaria municipal de Habitação recomendou que algumas residências irregulares fossem demolidas. Moradores, que temem se identificar, contam que a venda dos apartamentos é feita pelos próprios paramilitares. Quem vive ali é obrigado pela milícia a pagar, por exemplo, R$ 10 por semana pela água, que é furtada da Cedae. Há também “gatos” de energia e TV a cabo. Nenhum dos imóveis consta do Registro Geral de Imóveis (RGI) nem tem habite-se.

A quadrilha que controla o condomínio teria ligação com a milícia de Rio das Pedras e da Muzema, onde dois prédios em situação irregular desabaram no ano passado, matando 24 moradores. Atualmente, há investigações no Ministério Público estadual sobre o envolvimento desses grupos na expansão imobiliária irregular. Outras operações já foram realizadas para tentar localizar a submetralhadora usada para matar Marielle.

Elaine Pereira Figueiredo Lessa, mulher do PM reformado Ronnie Lessa, acusado de ter atirado na vereadora, foi presa sob a acusação de ter tramado o plano para dar sumiço às armas do marido no mar da Barra. Em julho do ano passado, a Marinha chegou a ajudar a Polícia Civil em buscas pela submetralhadora MP5, mas a operação não teve sucesso. Os mergulhadores foram até o local após o depoimento de uma testemunha, que contou que um amigo de Ronnie jogou uma caixa com armas no mar.

Os dois acusados da morte de Marielle presos até agora, Ronnie e o ex-policial Élcio Queiroz, têm forte ligação com a milícia que atua na região de Jacarepaguá. Ronnie é suspeito de fazer parte de um grupo de matadores de aluguel, assim como o ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) Adriano da Nóbrega, morto domingo no interior da Bahia. Os dois, que se conheceram na PM, prestariam serviços para bicheiros e paramilitares.

Marielle e Anderson foram mortos em 14 de março de 2018. Eles estavam num carro que foi abordado no Estácio. O assassino teria feito 13 disparos. A vereadora foi atingida por quatro tiros, e o motorista, por três. A primeira fase da investigação foi concluída com a prisão de Ronnie e Élcio. Agora, a polícia tenta identificar o mandante do crime.