O Globo, n. 31601, 13/02/2020. País, p. 8

Gabinete de Carlos recebeu ex-assessores investigados

Juliana dal Piva
Chico Otavio
João Paulo Saconi

 

Imagens da portaria e documentos da Câmara Municipal do Rio obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação revelam que quatro ex-assessores do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) investigados pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) estiveram no gabinete do parlamentar no Palácio Pedro Ernesto, em 30 de outubro do ano passado. Esses ex-funcionários prestaram, no mesmo período, depoimentos no âmbito do procedimento de investigação sobre as suspeitas de “rachadinha” ligadas ao gabinete de Carlos, que estava na Câmara no dia das visitas. Um ex-auxiliar do hoje senador e ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), também investigado, esteve no gabinete de Carlos no mesmo dia. Nenhum deles frequentava mais a Câmara regularmente.

Flávio, Carlos e os ex-assessores são alvos do MP-RJ em procedimentos sobre suspeitas de uso de funcionários fantasmas para devolução de salários, a prática conhecida como “rachadinha”. As visitas desses ex-auxiliares do vereador, filho do presidente Jair Bolsonaro, são incomuns. Dois deles, que são irmãos, constaram como assessores de Carlos entre 2001 e 2008, e a Câmara não tem registro de visita dos dois ao gabinete desde 2015. Eles entraram no Palácio Pedro Ernesto junto com a mãe no dia 30. Ela foi exonerada no início do ano passado e também não tinha mais retornado ao local. Outros dois ex-auxiliares, pai e filho, só estiveram juntos no local em junho, dois dias após O GLOBO tentar entrevistá-los.

Os dados e fotografias da Câmara mostram que, em 30 de outubro, Carlos registrou presença no plenário às 14h15m. No entanto, a sessão ficou suspensa até as 15h40m. Ele só surgiu nas imagens da sessão às 16h12m. Carlos esteve no plenário até as 17h36m. Depois disso, não foi mais visto no local.

Laços familiares

A contratação de parentes foi uma constante nos gabinetes da família Bolsonaro nas últimas décadas. Reportagem do GLOBO publicada em agosto de 2019 mostrou que o clã (Jair, Carlos, Flávio e Eduardo Bolsonaro) nomeou 102 pessoas com laços familiares desde 1991. Procurado para comentara proximidade das visitas à Câmara e os depoimentos, o gabinete de Carlos não se manifestou. Advogado de Flávio, Frederick Wassef não respondeu especificamente sobre a visita do exassessor e disse que há “obsessão” nas reportagens “contra a família Bolsonaro”. O MP-RJ informou em nota que os procedimentos tramitam “sob absoluto sigilo, impossibilitando qualquer tipo de informação”.

Os ex-assessores foram procurados, mas não explicaram o motivo da visita no dia 30. Os procedimentos do MP- RJ são a etapa preliminar de investigação que pode envolver inquéritos e antecede eventual ação penal ou civil.

Na manhã de 30 de outubro, entraram pela portaria da Câmara, na Rua Alcindo Guanabara, Rafael de Carvalho Góes, Rodrigo de Carvalho Góes e Neula de Carvalho Góes, mãe dos dois. De acordo com os registros da Casa, os três acessaram o prédio às 10h e foram ao gabinete de Carlos. Eles só saíram do local, juntos, às 13h16m.

Os três integram uma das famílias que por mais tempo assessoraram Carlos Bolsonaro, segundo registros oficiais. Moradores de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, eles constaram como auxiliares do segundo filho do presidente desde 2001 — mesmo ano em que Carlos assumiu o mandato. Nutricionista, Rafael ficou nomeado entre 2001 e 2008, mesmo período de seu irmão. Já Neula esteve de 2001 até fevereiro do ano passado. Em julho de 2019, O GLOBO foi à casa da família na Zona Oeste e encontrou Rafael. Ao questioná-lo se ele havia trabalhado na Câmara, disse que “não”. Em todo o período no qual esteve nomeado, Rafael e o irmão Rodrigo receberam um total corrigido de R$ 557 mil cada. Já Neula, R$ 1,4 milhão.

No dia 24 de janeiro, O GLOBO encontrou Rodrigo Góes na casa da família em Santa Cruz. Ele disse que o gabinete de Carlos é o responsável por explicar o motivo das visitas:

— A minha versão é que eu converso sempre com..., conversava, no caso, com o gabinete, é que qualquer tipo de informação que tiver que ser repassada é via gabinete. Não dou nenhum tipo de informação. Meu pai e minha mãe também não. É tudo via gabinete. É o correto. A gente não dá informação nenhuma porque o gabinete é o responsável — disse Rodrigo Góes.

Questionado sobre o motivo de ter ido ao gabinete em data próxima ao depoimento, Góes limitou-se a dizer:

— Vocês têm que procurar saber se é com o gabinete ou com o MP.

Pouco depois que os Góes deixaram a Câmara, outra família foi ao gabinete de Carlos na tarde de 30 de outubro de 2019. Às 15h05m, conforme os registros da Casa, chegaram Guilherme dos Santos Hudson e Guilherme de Siqueira Hudson, respectivamente, pai e filho. Eles ficaram no local até as 17h45m.

Guilherme de Siqueira Hudson, o filho, constou como assessor-chefe do vereador durante dez anos — entre abril de 2008 e janeiro de 2018. Ele é primo de Ana Cristina Siqueira Valle, exmulher do presidente Bolsonaro, e, apesar de todo o tempo em que ficou lotado na chefia do gabinete, jamais teve crachá. Tem residência fixa em Resende há sete anos, onde mantém um escritório de advocacia. Desde 2012, o site do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio mostra que ele atuou em 68 processos na região de Resende e apenas cinco na capital. A cidade fica a cerca de 170 quilômetros do Rio. Por todo o período nomeado, o ex-chefe de gabinete recebeu um total atualizado de R$ 2,3 milhões.

Já Guilherme dos Santos Hudson, o pai, é um dos investigados no inquérito que apura peculato e lavagem de dinheiro no âmbito do gabinete de Flávio Bolsonaro a partir de relatório do Coaf. Junto com o senador, ele também teve os sigilos bancário e fiscal quebrados pelo TJ do Rio em abril do ano passado e foi alvo de busca e apreensão em dezembro. Hudson recebeu pelo período em que foi nomeado cerca de R$ 17,7 mil. Procurado, o advogado Magnum Roberto Cardoso, que defende Guilherme dos Santos Hudson, disse que não tinha conhecimento do assunto. O GLOBO também pediu resposta sobre Hudson filho, mas não recebeu retorno.

“Nada a declarar”

Hudson pai e Hudson filho também estiveram juntos uma outra vez no gabinete de Carlos no ano passado. A visita foi em 12 de junho entre às 14h21m e às 17h06m — conforme os registros da Câmara — e ocorreu um mês depois de tornada pública a informação de que Hudson pai era investigado pelo MP-RJ no procedimento sobre o gabinete de Flávio e dois dias depois que repórteres do GLOBO estiveram na casa deles em Resende tentando entrevistá-los. Na ocasião, Hudson pai disse que “não tinha nada a declarar”.

Carlos é investigado pelo MP do Rio desde julho do ano passado, após a revista Época revelar que o vereador empregou sete parentes de Ana Cristina Valle. Dois deles admitiram que nunca trabalharam embora estivessem nomeados. Em agosto, O GLOBO também mostrou outros casos de ex-assessores que admitiram não trabalhar para o vereador.