O Globo, n. 31602, 14/02/2020. Sociedade, p. 34

Coronavírus: casos disparam

Rafael Garcia
André de Souza


Os números divulgados pela China na noite de anteontem mostraram uma explosão nos casos confirmados de COVID-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Embora tenha assustado governos e mercados, o aumento pode ser explicado por uma mudança nos critérios de diagnóstico adotados paraHub ei, província chinesa que é o epicentro da epidemia.

O governo chinês anunciou na noite de quarta 242 novas mortes em Hubei, elevando o total para 1.355, e mais 14.840 pessoas infectadas, chegando aquase 60 mil ao todo.

O que causou a alta nas confirmações foram os muitos diagnósticos pendentes e “represados” em razão da demora na confirmação do teste laboratorial. Esses casos foram confirmados agora adotando como critérios apenas os sintomas da doença e exames de imagem. Anteriormente, só eram contabilizados os que tivessem sido confirmados por testes de RNA, o material genético do vírus, que pode levar dias para ficar pronto.

Em outras palavras, com a mudança, vários casos que aguardavam diagnóstico há semanas receberam resultado em um dia só. Portanto, não houve, necessariamente, um aumento súbito no número diário de pessoas infectadas.

No entanto, daquelas 242 novas mortes, 135 são casos “diagnosticados clinicamente”. Isso significa que, mesmo sem anova definição, o número de mortes em Hubei na quarta foi de 107 — um novo recorde para a província. Com o mais recente balanço, divulgado na noite de ontem, as mortes chegam a 1.471, e os casos passam de 64 mil.

Em entrevista coletiva ontem, Michael Ryan, diretor executivo do programa de emergências em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), explicou que o motivo pelo qual os chineses estão usando diagnósticos de imagem para casos em Hubei é para acelerar os trabalhos:

— Essa mudança permite aos clínicos relatarem casos mais rapidamente, sem precisar esperar por confirmação laboratorial, garantindo que as pessoas recebam tratamento mais rápido. Isso também ajuda no rastreamento de contatos e em outras medidas sanitárias importantes que precisam ser desencadeadas.

Essa mudança no critério não será adotada neste momento pelo Brasil. O país só vai alterá-lo se houver ao menos 100 casos confirmados — até agora não há nenhum. Quando é identificado um caso suspeito no Brasil, são feitos testes para vírus mais comuns, como os da gripe. Se o resultado é negativo, testa-se especificamente para coronavírus. O país investiga seis casos suspeitos.

A OMS também afirmou que os primeiros medicamentos que estão sendo testados contra o novo coronavírus terão resultados em algumas semanas.

— Algumas drogas que foram usadas no passado nos surtos de Mers e Sars estão sendo usadas agora, além de certas drogas anti-HIV — contou Michael Ryan.

Entre as que estão sendo usadas estão o lopinavir e o ritonavir, medicamentos para HIV vendidos sob o nome comercial Kaletra, além do remdesivir, um antiviral de amplo espectro.

Entre as drogas apontadas por estudos chineses como promissoras estão o atazanavir, o nelfinavir e outras, e várias já estão sendo empregadas.

Para Ryan, desenvolver vacina requer tempo e recursos de “centenas de milhares de dólares”, e não se pode depositar esperança de que vá impactar o avanço da doença no curto ou médio prazo.

“Essa mudança permite aos clínicos relatarem casos mais rapidamente, garantindo que as pessoas recebam tratamento mais rápido.”  Michael Ryan, diretor da OMS.

Epidemia impulsiona serviços de apoio à saúde mental

A procura por centenas de serviços telefônicos de suporte à saúde mental explodiu na China nas últimas semanas por conta da tensão em torno do novo coronavírus. Com medo de contrair a nova doença, batizada de COVID-19, milhões de chineses têm se enclausurado em casa, gerando grande pressão psicológica.

Profissionais de saúde saudaram a criação de múltiplos serviços, que funcionam 24 horas por dia, especialmente em um país onde o tema ainda é tabu. No entanto, especialistas se preocupam com atendimentos informais que podem trazer mais danos do que benefícios.

— Há muitas linhas telefônicas por aí mantidas por vários voluntários, o que não faz sentido, porque não há tantas pessoas bem treinadas assim — diz Cui Erjing, ele próprio voluntário de um dos serviços.

— Pode ser muito traumatizante procurar por ajuda e não receber as respostas certas.

Uma pesquisa recente da Sociedade Chinesa de Psicologia identificou que, entre 18 mil pessoas analisadas, 42,6% disseram ter sofrido de ansiedade por conta da epidemia. De 5 mil pessoas testadas, 21,5% apresentaram sintomas de estresse pós-traumático.

As linhas diretas fazem parte das respostas consideradas de “nível inicial” pelo governo chinês nos esforços de mitigação do impacto psicológico. A estratégia foi adotada pela primeira vez após o terremoto de Sichuan, em 2008, quando 87.150 pessoas morreram.

A Comissão Nacional de Saúde afirmou que mais de 300 linhas foram criadas ao redor da China para providenciar apoio mental no contexto do coronavírus, com suporte de departamentos de Psicologia de universidades e ONGs.

O país tem apenas 2,2 psiquiatras para cada 100 mil habitantes, segundo dados da OMS. Um dos serviços, mantido pela Universidade Normal de Pequim, ficou sobrecarregado logo após sua criação, no fim de janeiro.

O número de ligações caiu depois que outros atendimentos foram criados, mas as demandas se tornaram mais desafiadoras. Uma pessoa com depressão crônica chegou a telefonar reportando pensamentos suicidas causados pela onda de más notícias.

Recentemente, o governo determinou parâmetros para as linhas diretas, que devem ser gratuitas, confidenciais e amparadas por voluntários com experiências profissionais relevantes e supervisionados por especialistas. No entanto, profissionais da área ainda estão preocupados.

— Há muitas linhas diretas e é difícil ter uma supervisão consistente — diz Sami Wong, psicoterapeuta de Pequim.