O Globo, n. 31595, 07/02/2020. Economia, p. 25

Alerta na indústria

Leo Branco
Bruno Rosa
Gabriela Oliva


A indústria brasileira começa a sofrer impactos concretos da epidemia de coronavírus. Depois de amargar uma desaceleração no ano passado, as fábricas instaladas no país podem ter o desempenho do primeiro trimestre afetado por problemas no recebimento de componentes e matérias-primas da China,o maior parceiro comercial do Brasil.

Fabricantes de eletroeletrônicos já relatam problemas no recebimento de componentes. Montadoras de veículos e representantes do setor farmacêutico estão em alerta. Do total de insumos importados — que servem de matéria-prima para os produtos que são feitos nas indústrias nacionais —20% vêm da China.

— A participação das importações chinesas é relevante. Se os embarques são interrompidos, pode haver atrasos ou pausas na produção brasileira — diz Marcos Casarin, economista-chefe para América Latina na Oxford Economics.

De acordo com sondagem da Abinee, associação brasileira de fabricantes de produtos eletroeletrônicos como celulares e TVs ,52% do setor já tiveram algum problema no recebimento de materiais vindos da China.

A pesquisa mostra que 22% dos associados, que participaram do levantamento, disseram que devem paralisar a produção em algum momento nas próximas semanas por falta de componentes.

— Estamos avaliando a situação de perto — diz o presidente da Abinee, Humberto Barbato, lembrando que a China responde por 42% dos componentes eletrônicos importados pelo setor.

Segundo José Salvino, presidente do SindMetal (Sindicato dos Metalúrgicos) de Jaguariúna, em São Paulo, a empresa Flextronics, que fabrica celulares da Motorola, enviou uma carta alertando sobre o problema. De acordo com Salvino, o setor pode ter 80% das atividades paralisadas:

— A medida afeta quase todas as linhas de produção. Desde a semana passada estamos aguardando parecer da multinacional chinesa para ver se há possibilidade de contágio através das peças importadas.

Risco de desabastecimento

A Anfavea, associação brasileira da indústria automotiva, acompanha “24 horas por dia” os efeitos da epidemia de coronavírus na China sobre a cadeia produtiva de autopeças. Apesar de a doença ter interrompido a operação em fábricas em Wuhan —considerada a “Detroit Chinesa” pela concentração de montadoras — e em outras áreas da China, por ora não há risco de desabastecimento de peças no Brasil.

— Estamos monitorando o tema não só das peças que importamos, mas também dos fornecedores dos nossos fornecedores. Hoje não temos problema (de desabastecimento) — diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.

Estudo da consultoria Oxford Economics vê o Brasil como um dos países com maior risco de desabastecimento na hipóteses de a epidemia prolongar o período de fechamento de indústrias na China.

A importação de placas solares da China já começa a ser afetada. Segundo Daniel Pansarella, diretor da fabricante chinesa de painéis Trina, os embarques têm atrasos de até duas semanas. Para ele, a falta de produtos no mercado brasileiro vai depender da extensão da crise no país asiático:

— Muitos clientes têm programação trimestral, por isso os estoques maiores. Não vejo o varejo com falta de produto. Quem pode ter falta de material no primeiro momento são distribuidores menores, que não têm estoques.

A relevância de fornecedores chineses no Brasil só é batida pela importância deles para a indústria de países da Ásia e da Oceania cujas cadeias logísticas estão intimamente conectadas à China. Nos primeiros lugares da lista estão Vietnã (com 41% dos bens intermediários comprados dos chineses) e Filipinas (30%).

— A produção industrial brasileira, tal como a da maioria dos países, depende muito de produtos intermediários (insumos) chineses. Há uma integração nas linhas de produção em vários setores —diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, para que maqueda deve ser maior em eletrônicos e têxteis.

O economista avalia ainda que o coronavírus tem potencial de reforçar a perda de força da indústria brasileira ocorrida no ano passado, quando recuou 1,1% em relação a 2018.

O risco de desabastecimento é maior entre componentes de maior valor agregado que chegam por transporte aéreo da China. O estoque no Brasil dá conta para os próximos 15 dias, nas contas da Eletros, associação dos fabricantes de eletrônicos da linha branca (geladeira), marrom (TV e som) e portáteis (secadores de cabelo, ventiladores, entre outros). Entre os insumos que chegam por navio, o estoque nacional é capaz de abastecer as indústrias por 90 dias.

— Preocupa a instabilidade na cadeia logística de importação de insumos da China — diz José Jorge do Nascimento Junior, presidente da Eletros.

Na fabricante de eletrônicos Multilaser, com portfólio que vai de celulares a aspiradores, boa parte da produção depende dos fornecedores chineses. Mensalmente as duas fábricas da Multilaser, em Extrema (MG) e Manaus (AM), produzem 2 milhões de produtos. Cada um tem, em média, 200 componentes do país asiático.

— Os efeitos só serão sentidos em março, e se a situação atual persistir até lá — diz Alexandre Ostrowiecki, presidente da Multilaser.

Henrique Tada, presidente executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), destacou que o setor acompanha a crise de perto. Mais de 90% das matérias-primas são importadas de países como China e Índia.

— Estamos em alerta. Quase tudo vem da China. Acompanhamos a movimentação de cargas dentro da China.

O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) disse que os estoques de princípios ativos e insumos importados da China são suficientes para atender às necessidades da indústria nas próximas semanas. Informou ainda que os estoques de medicamentos prontos nos postos de saúde e nas farmácias e distribuidoras garantem o abastecimento da população e de clínicas e hospitais.