O Estado de S. Paulo, n. 46564, 13/04/2021. Economia & Negócios, p. B2

A reforma tributária dos EUA

Bernard Appy


O governo dos Estados Unidos anunciou recentemente uma proposta de mudança no sistema tributário (Made in America Tax Plan), que visa, entre outros objetivos, a arrecadar recursos para financiar um ambicioso programa de investimentos, cujo custo deve montar a US$ 2 trilhões nos próximos dez anos.

A proposta de reforma tributária de Joe Biden chama a atenção por indicar duas importantes mudanças relativamente à postura do governo Trump: a) a reversão da tendência de redução da alíquota do Imposto de Renda corporativo; e b) uma maior disposição dos EUA em tratar de forma multilateral as questões tributárias. São mudanças importantes que podem afetar a forma como o mundo vem tratando da tributação das corporações, mas cujo impacto ainda não é certo.

A seguir são descritas algumas das mudanças propostas.

A primeira é a elevação da alíquota federal do Imposto de Renda corporativo de 21% para 28%, revertendo parcialmente a redução da alíquota de 35% para 21% promovida pelo governo Trump.

Em segundo lugar, propõem-se alterações relevantes em um dispositivo introduzido pela reforma tributária de 2017 – o global intangible low-tax income (Gilti). Em seu formato atual, o Gilti prevê a tributação, nos EUA, à alíquota de 10,5%, da renda originária de ativos intangíveis auferida no exterior pelas subsidiárias de empresas norte-americanas, isentando-se a renda correspondente a 10% do valor dos ativos tangíveis detidos no exterior. Pela proposta de Biden, a isenção para a renda dos ativos tangíveis seria revogada e a alíquota do Gilti elevada para 21%. A aplicação do Gilti passaria a ser feita país a país, e não de forma consolidada como é feito hoje.

A terceira mudança é a introdução de um imposto mínimo de 15% sobre o lucro contábil das corporações, visando a alcançar a renda de empresas cujo lucro fiscal é muito inferior ao lucro contábil.

Por fim, há duas mudanças que visam a induzir a adoção, em nível mundial, de uma alíquota mínima do Imposto de Renda corporativo. A primeira é a sinalização de que os EUA vão colaborar com os demais países da OCDE na introdução da alíquota mínima. A segunda é a vedação à dedução, no cálculo do imposto, de pagamentos feitos por empresas dos EUA a partes relacionadas localizadas em países cuja alíquota seja inferior à mínima.

As mudanças propostas têm dois objetivos. Um deles é aumentar a participação da tributação da renda corporativa no total da receita tributária dos EUA. Segundo a nota que descreve as propostas, com a reforma de 2017 a receita do Imposto de Renda corporativo teria caído do nível histórico de 2% do PIB (já inferior à média dos demais países da OCDE, que é de 3% do PIB) para apenas 1% do PIB. A nota também menciona que o objetivo é reverter a tendência histórica de redução da tributação da renda do capital relativamente à renda do trabalho.

O segundo objetivo é induzir a adoção de uma alíquota mínima internacional sobre a renda corporativa, desestimulando a competição tributária entre países.

A proposta sinaliza mudanças relevantes ante a tendência mundial, que vem desde os anos 1980, de redução descoordenada da tributação sobre a renda corporativa. No entanto, ainda não está claro se a iniciativa alcançará esses objetivos.

Apesar do apoio à alíquota mínima internacional, a proposta dos EUA se baseia dominantemente em dispositivos da legislação doméstica que não existem em outros países, o que dificulta a coordenação internacional. Em particular, a mudança no Gilti aumenta a tributação nos EUA das Big Techs norte-americanas, dificultando a distribuição do imposto sobre os lucros dessas empresas entre os países, proporcionalmente a suas vendas, que é uma demanda dos demais membros da OCDE.

Ou seja, a reforma proposta pelos EUA traz sinalizações importantes e que vão na direção correta, mas talvez ainda esteja aquém do necessário para uma mudança mais efetiva da tributação mundial do lucro das grandes corporações.

Diretor do Centro de Cidadania Fiscal