O Globo, n. 31593, 05/02/2020. Economia, p. 21

Retração da indústria
Pedro Capetti


Depois de ensaiar uma recuperação por dois anos consecutivos, a indústria brasileira fechou 2019 com uma queda de 1,1%, segundo o IBGE. Trata-se do pior resultado desde 2016, quando o setor teve retração de 6,4%. O resultado reflete o impacto da lenta recuperação econômica do país e da crise na Argentina, além do efeito da queda da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), que matou mais de 250 pessoas. A indústria extrativa-mineral desabou 9,7%, o maior recuo desde o início da série histórica, em 2003.

A crise da Argentina teve impacto direto nas exportações, principalmente de automóveis. Com isso, a indústria de transformação fechou o ano com alta de 0,2%, a menor desde 2016, quando a atividade havia recuado 6% em meio à recessão. Na avaliação de especialistas, o desempenho da indústria como um todo ficou abaixo das expectativas, mesmo considerando a ocorrência de fatores não planejados. Das 24 atividades pesquisadas pelo IBGE, 16 tiveram queda no ano, indicando que a retração foi disseminada.

— Para além do efeito negativo do setor extrativo, por causa de Brumadinho, há uma combinação de perdas importantes em diversos outros segmentos, principalmente os identificados com bens intermediários (que servem de insumo a outras indústrias) — diz André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE.

Desde o quarto trimestre de 2018, a indústria não sai do vermelho. No ano passado, o país voltou ao ritmo de produção de janeiro de 2009.

Ainda assim, para Renata de Mello Franco, economista do Ibre/FGV, os números indicam que há um processo de retomada lenta da indústria brasileira, mas que requer o avanço de reformas para ganhar fôlego. Um dos sinais de alerta é o desempenho dos bens de capital, como máquinas e equipamentos, que fecharam o ano com queda de 0,4%. Em dezembro, a retração chegou a 5,9% na comparação com igual mês de 2018.

— Isso evidencia que estamos num processo de retomada lenta e gradual. O investimento ainda está reprimido e não observamos em 2019 uma melhora de bens de capital, o que é preocupante para 2020. Mostra que está difícil a indústria se recuperar sem estímulos, como uma reforma tributária — avalia.

O resultado de 2019 só não foi pior em razão da liberação de mais de R$ 40 bilhões em recursos do FGTS. Isso impulsionou a compra de bens de linha branca, como geladeiras. Com a injeção de recursos, os bens de consumo duráveis (móveis e eletrodomésticos) fecharam com alta de 2%, e os não duráveis, como alimentos, com avanço de 0,9%.

— O FGTS foi um evento importante para uma melhora da indústria no segundo semestre. É bem provável que tivéssemos uma queda maior no ano (sem ele) — ressalta Ricardo Jacomassi, economista e sócio da TCP Partners.

O encolhimento da indústria no ano passado foi acompanhado de queda no faturamento. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), houve recuo de 0,8% em tudo que o setor conseguiu faturar. Houve retração em horas trabalhadas, emprego, massa salarial real e rendimento médio. Essa combinação de sinais negativos tem impacto na economia, pois a indústria tradicionalmente oferece melhores salários.

Cenário externo incerto

A utilização da capacidade instalada, ou seja, o nível de uso do parque fabril, ficou em 77,7% em dezembro, indicando possível limitação de novos investimentos no futuro.

— A indústria enfrenta dificuldades para manter um ritmo mais forte e sem interrupções de retomada da atividade — destaca Marcelo Azevedo, economista da CNI.

Para este ano, porém, a avaliação dos economistas é que há possibilidade de melhora. Isso porque, coma retração de 0,7% do setor em dezembro, na comparação com novembro, a queda da indústria no último trimestre foi menor que a esperada pelo mercado.

— É provável que a indústria feche o ano com alta de 2,9%, mas será uma recuperação mais pelo mercado doméstico do que pelo cenário externo, em um ano sem recursos do FGTS e com redução do desemprego — diz Jacomassi.

No entanto, para Renata, é preciso que o cenário externo fique mais favorável:

— O consumo interno é suficiente para a indústria andar de lado, mas, para crescer mais, precisamos do mercado externo. E ainda há o coronavírus, não sabemos o impacto.