O Globo, n. 31602, 14/02/2020. Mundo, p. 33

FMI: Brasil espera ações concretas da Argentina

Janaína Figueiredo


O governo brasileiro ficou satisfeito com o resultado da visita do chanceler argentino, Felipe Solá, a Brasília, na quarta-feira, mas a resposta ao pedido da Casa Rosada de respaldo do Brasil nas negociações do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ainda é incerta. Em palavras de uma fonte do governo Jair Bolsonaro, “o apoio à Argentina não está garantido e dependerá de ações concretas que mostrem que o governo de Alberto Fernández está mesmo alinhado com a agenda econômica e comercial brasileira”.

Acordo com a UE

Alinhamento político é algo totalmente descartado por parte do governo Bolsonaro, dadas as notórias diferenças entre os dois principais sócios fundadores do Mercosul. A palavra de ordem no momento é “pragmatismo”.

— A conversa com os enviados do governo argentino foi muito franca, aberta. Perguntamos diretamente qual era a posição deles sobre temas essenciais para o Brasil, entre eles o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE). Ficamos gratamente surpresos com a disposição a assinar o entendimento, isso para o Brasil é condição sine qua non para qualquer avanço ou respaldo da nossa parte — explicou a fonte, que pediu anonimato.

Os primeiros passos para passar da troca de farpas entre Bolsonaro e Fernández ao atual momento de cordialidade e intenção de ambas as partes de recompor o vínculo foram dados semana passada. O cenário foram reuniões entre técnicos dos dois países em Buenos Aires e, posteriormente, em encontros no âmbito do Mercosul, em Assunção. O governo brasileiro esperava uma colisão e, para sua surpresa, encontrou negociadores argentinos que falavam em “dar prioridade à integração, aos acordos do Mercosul com outros países e blocos”.

Encontraram vontade de impulsionar as negociações em curso com Canadá, Coreia do Sule Cingapura. Noca soda Coreia do Sul, os argentinos temem uma concorrência dura para seus empresários, mas estão, como o Brasil, muito interessados no mercado agrícola sul-coreano. Para um país afundado na recessão, a conquista de novos mercados é vista como uma oportunidade, pelo menos pela ala mais moderada da aliança entre peronistas e kirchneristas.

No governo Fernández, o comércio exterior ficou sob controle do Ministério das Relações Exteriores, elá os negociadores brasileiros encontraram pares sintonizados com os interesses do Brasil. Foram derrubados os fantasmas de um retorno do kirchnerismo protecionista do passado. Persistem, porém, os medos de obstáculos que ainda possam surgir no caminho. O clima melhorou, claramente. Mas, para alguns funcionários brasileiros, ainda parece “bom demais para ser verdade”.

— O que nós queremos é explorar pontos de convergência, nisso estamos trabalhando. Mas ninguém pode negar que existe uma queda de braço pela liderança na região. Alinhamento político é inviável — disse outra fonte.

‘Gestos contundentes’

O Brasil espera, por exemplo, que seu candidato seja bem sucedido na disputa pela presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A Argentina tem o mesmo objetivo e nessa questão não parece possível uma aliança estratégica ou candidato único. Mas, no âmbito do Mercosul, o plano de voo é continuar avançando com acordos comerciais com os quais o governo argentino disse concordar. A Argentina, contou uma fonte brasileira, “se mostrou aberta ao livre comércio e disse entender o quanto isso é importante para o Brasil”.

Foi dado um primeiro passo, mas agora, disse a fonte, o governo Bolsonaro espera “entregas concretas”. Gestos contundentes, como poderia ser, por exemplo, a consulta a Brasília sobre a proposta que a Casa Rosada fará ao FMI e aos credores privados do país para renegociara dívida.

O chanceler de Fernández mostrou interesse em conversar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas o governo Bolsonaro decidiu limitar sua visita ao âmbito do Itamaraty e do Planalto. Se a relação continuar se aprofundando, asseguram, chegará o momento de um encontro entre as duas equipes econômicas.

Tudo dependerá da preservação de uma sintonia entre brasileiros e argentinos que ainda parece frágil e depende, entre outros fatores, da dinâmica de poder interno no governo peronista de Fernández e sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015).