O Globo, n. 31602, 14/02/2020. Economia, p. 27

‘É bom para todo mundo’: BC age para conter impacto no câmbio

Gabriel Martins
Thais Arbex
Naira Trindade
Gustavo Maia
Renato Andrade


Um dia após o ministro Paulo Guedes dizer que “um dólar mais alto é bom para todo mundo ”, a cotação da moeda americana chegou a R$ 4,381 logo pela manhã, com alta de 0,71%, recorde intradiário. Isso levou o Banco Central (BC) a atuar no mercado de câmbio com US$ 1 bilhão, o que levou a divisa a R$ 4,314, na mínima do dia. O dólar comercial oscilou bastante, para encerrar em queda de 0,38%, a R$ 4,333. A Bolsa caiu 0,87%, aos 115.662 pontos.

Em um evento na noite de quarta-feira, Guedes disse que, quando o dólar era cotado a R$ 1,80, estava “todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada.” E sugeriu: “Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita”, afirmou.

‘Pergunta para quem falou’

Não foi a primeira vez que o BC teve de agir no mercado para conter os efeitos de declarações de Guedes. Em 25 de novembro, o ministro disse que não estava preocupado com a cotação elevada do dólar. O mercado interpretou que o governo não iria intervir no câmbio, e no dia seguinte a moeda atingiu R$ 4,239, recorde na ocasião. A autoridade monetária fez dois leilões à vista. No dia seguinte, vendeu três mil contratos de swap cambial reverso (que equivalem à compra de dólar no futuro), no valor de US$ 150 milhões, além de fazer leilões de moeda à vista, no total de US$ 785 milhões.

As declarações de Guedes na quarta-feira irritaram o presidente Jair Bolsonaro, a ponto de ele ter ligado para o ministro naquela mesma noite para repreendê-lo. Segundo integrantes do governo, Bolsonaro teria afirmado a Guedes, em tom ameno, que ele não precisava ter dito nada daquilo.

De acordo com pessoas próximas ao presidente, a fala de Guedes teve ainda mais impacto por ter acontecido poucos dias depois de o ministro ter se referido a servidores públicos como “parasitas”.

Em frente ao Palácio da Alvorada, ao ser perguntado por jornalistas sobre as declarações de Guedes na véspera, Bolsonaro sugeriu que procurassem o ministro.

— Pergunta para quem falou isso. Eu respondo pelos meus atos — afirmou.

Ao ser indagado se concordava com a afirmação de Guedes, o presidente repetiu que responde pelos seus atos. Depois, foi perguntado sobre o atual patamar do dólar, que havia registrado na véspera seu quarto recorde consecutivo, R$ 4,35.

— Eu, de vez em quando, eu converso com o Roberto Campos (Neto, presidente do BC). Vocês sabem que eu entendo para burro de economia. E está dando certo a economia porque eu não interfiro. Por exemplo, quando acaba a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), eu converso com o Roberto Campos: “Roberto, o que aconteceu?” Depois que aconteceu — disse.

—Dólar, eu, como cidadão, (acho que) está um pouquinho alto, né? Está um pouquinho alto o dólar.

Pode acelerar a R$ 4,50

No início da manhã, o BC vendeu todo o lote extraordinário de 20 mil contratos de swap cambial anunciado, com vencimentos entre agosto e dezembro deste ano, no total de US$ 1 bilhão. Nessa operação, o BC vende dólares no mercado futuro e quem compra está protegido contra possíveis desvalorizações do real.

— O leilão freou um pouco o movimento especulativo que vinha ocorrendo — disse Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

Pesou ainda a entrevista do presidente do BC à GloboNews, no fim da noite de quarta-feira. Analistas interpretaram suas declarações como um sinal de que o governo estaria confortável com o atual patamar do dólar.

No mês, o dólar acumula alta de 1,53%, e no ano, de 8,5%. Analistas avaliam que o dólar pode chegar a R$ 4,50, devido a um conjunto de fatores: a queda dos juros básicos para 4,25%, a incerteza sobre a agenda de reformas e a preocupação com o coronavírus.

— O dólar pode tanto recuar para R$ 4,10, com aprovação de reformas e melhora no cenário de coronavírus, ou acelerar até R$ 4,50, caso aconteça o inverso — disse Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados.

“Como cidadão, está um pouquinho alto o  dólar, né?” — Jair Bolsonaro, presidente, sobre a cotação da moeda americana.

Analítico: empregadas não irão à Disney, mas o BC teve que ir ao mercado

Todas as vezes que um integrante da equipe econômica resolve tecer comentários sobre o valor de um determinado ativo, o mercado testa, no dia seguinte, até onde vai a convicção do governo. Quando o comentário vem do chefe da equipe, esses testes tendem a ser mais fortes.

Isso é uma tradição. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe disso e deveria ter pensado sobre esse efeito colateral, antes de apresentar sua análise sobre o “preço” do dólar.

Ao dizer que o câmbio estava “tão barato que todo mundo estava indo para a Disneylândia” — inclusive as empregadas domésticas! — e que o dólar mais alto é “bom para todo mundo”, Guedes atiçou a turma que ganha dinheiro comprando e vendendo moeda.

O pensamento comum neste tipo de situação é simples e direto: Se está barato, vamos ver até onde a cotação do dólar pode chegar.

Já nos primeiros minutos dos negócios de ontem, a moeda americana bateu novo recorde de alta e atingiu o valor de R$ 4,382.

Os efeitos da fala do ministro garantem que não só as empregadas, mas muita gente fique fora dos voos internacionais. E forçou o Banco Central a entrar no mercado para controlar os excessos. Assim que a cotação da moeda disparou, o BC anunciou que iria intervir.

A operação funcionou como uma injeção de US$ 1 bilhão no mercado, o que ajudou a conter o avanço da moeda. Esse tipo de intervenção não era feito desde agosto de 2018, quando o dólar bateu em R$ 4,20 por conta das eleições no Brasil e da crise na Argentina.

Para evitar dores de cabeça, o BC repetirá a dose hoje.