O Globo, n. 31594, 06/02/2020. Economia, p. 24

Bolsonaro volta a desafiar estados sobre ICMS

Daniel Gullino
Marcello Corrêa
Gabriel Shinohara
Isabella Macedo
Bruno Rosa
Gabriel Martins
Silvia Amorim


Em mais um capítulo da disputa aberta com os estados sobre os preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro desafiou os governadores ontem ao afirmar que reduziria azero os impostos federais, como PIS, Cofins e Cide, que incidem sobre gasolina e diesel caso os governos estaduais concordem em fazer o mesmo com o ICMS sobre esses produtos. Governadores reagiram outra vez ao que interpretaram como uma bravata para depositar neles a culpa pelo alto custo dos combustíveis nos postos e cobraram que o governo federal dê o primeiro passo.

— Está feito o desafio aqui, agora. Eu zero o federal hoje e eles zeram o ICMS. Se toparem, eu aceito —disse Bolsonaro, pela manhã.

De acordo com o presidente, a população “já começou a verde que mé a responsabilidade” pelo preço alto nos postos de combustíveis.

— Não estou brigando com governador. O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. Eu abaixei três vezes o combustível nos últimos dias, ena bomba não baixou nada—disse Bolsonaro sobre a diferença entre a redução dos preços pela Petrobras e pelos postos em janeiro.

Ontem, a Petrobras reduziu em 4,3% o preço da gasolina e em 4,4% o do diesel em suas refinarias. Foi a segunda redução em menos de uma semana. Neste ano, a gasolina acumula queda de 7,5% nas refinarias e o diesel, de 10,1%. No entanto, a redução nas bombas foi de menos de 1%, segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Eliminar os impostos federais sobre combustíveis custaria aos cofres públicos cerca de R$ 27,4 bilhões, o montante arrecadado em 2019, segundo a Receita Federal. No caso dos estados, o ICMS sobre combustíveis representa cerca de 20% da arrecadação do tributo estadual, segundo dados do Confaz, que reúne secretários estaduais de Fazenda.

— Os governadores não foram convidados para nenhuma conversa com o presidente neste sentido. Uma prova de que não há interesse no entendimento. Bravata me lembra populismo, e o populismo me lembra algo ruim para o Brasil. Se o presidente está tão entusiasmado, tão motivado, e leque faça o primeiro gesto. Elimine os impostos sobre os combustíveis e, aí sim, os governadores vão avalia rotem ado ICMS —reagiu o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ontem em Brasília.

— Acho que ele tem, neste caso, um comportamento que não é adequado ao presidente da República.

Relação desgastada

A nova queda de braço se deu dois dias depois da divulgação de uma carta aberta assinada por 23 governadores pedindo a Bolsonaro que abra mão de receitas de impostos federais sobre os combustíveis. Foi uma reação à acusação feita por ele no fim de semana em redes sociais de que governadores represam a redução nos preços de gasolina e diesel nas refinarias por meio do ICMS.

Foi também um recado ao Planalto de que a relação entre ele e os governadores está se desgastando às vésperas do início da tramitação no Congresso de duas reformas importantes para o governo: a tributária e a administrativa, que Bolsonaro prometeu ontem enviar ao Parlamento nos próximos dias.

Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, disse ao GLOBO que apoia muitas medidas do governo Bolsonaro, mas acha inviável zerar o ICMS dos combustíveis por conta da crise fiscal dos estados. Para ele, Bolsonaro invade prerrogativa dos estados:

—Tenho certeza de que ele não falou com o (ministro da Economia) Paulo Guedes. Pode perguntar para ele o que acha dessa proposta.

Guedes teve duas reuniões com o presidente ontem, mas ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, disse estar à disposição para discutir uma política de redução do valor final do combustível “de forma equilibrada, responsável, com base técnica”. Mas ressaltou que quem define a política de preço dos combustíveis é o governo federal, controlador da Petrobras:

— Quem tem que tomar a iniciativa, quem é protagonista nisso é o governo federal, que tem todos os instrumentos para debater e tomar medidas em relação a esse assunto.

Helder Barbalho (MDB), do Pará, afirmou que aceita o desafio proposto pelo presidente se a União autorizar o estado a voltar a cobrar imposto da atividade de mineração. Desde 1996, com a Lei Kandir, o Pará está proibido de taxar o setor. O governador da Bahia, Rui

Costa, usou as redes sociais para argumentar que a União fica com 70% dos impostos arrecadados no país, deixando 30% para estados e municípios, que são os que oferecem serviços públicos diretos à população, como saúde e educação. “Nesse cenário aí, quem deve abrir mão de receita?”, perguntou.

Rio perderia R$ 5 bi

São Paulo informou ontem que arrecadou no ano passado R $17,4 bilhões coma cobrança de ICMS do comércio de combustível. Isso responde por 12% de toda a arrecadação do imposto no estado. Segundo Barbalho, do Pará, abrir mão do ICMS dos combustíveis seria perder R$ 3 bilhões por ano. No Rio, o secretário estadual de Fazenda, Luiz Claudio Rodrigues, disse que a perda seria de R$ 5 bilhões por ano arrecadados com o ICMS sobre gasolina e diesel, o equivalente a 13% do arrecadado hoje com o tributo no estado:

— É fundamental para a sobrevivência dos estados e até dos municípios, já que 25% do valor do ICMS sobre os combustíveis são repassados para eles. O peso do ICMS nas contas dos estados é muito maior que o dos impostos (sobre o combustível) para a União. Se agente abre mão disso, o estado quebra.

Raul Velloso, especialista em contas públicas, avalia que a raiz da disputa é a queda na arrecadação desde acrise, que leva entes atentarem “transferir o ônus ao outro”:

— De um lado, a União tem capacidade maior de financiamento e quer os estados seus limites. De outro, os estado sacham que a União de veda rum acolher de chá em um momento em que passam por uma crise fiscal. Como esse bolo tributário é pequeno para dividir, será difícil aprovara reforma tributária.