O Globo, n. 31603, 15/02/2020. País, p. 12

Bolsonaro dá 'freio de arrumação' na ala ideológica

Amanda Almeida
Bruno Góes
Daniel Gullino
Eliane Oliveira
Natália Portinari


As mudanças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, cercando-se de militares, provocaram desconforto em parte do meio político e também na chamada ala ideológica do governo. O presidente fez mais uma mexida ontem na equipe nomeando o vice-almirante da Marinha Flávio Augusto Viana Rocha para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que passa a ser vinculada diretamente à Presidência. Além disso, a SAE ganhou a atribuição de assessorar o presidente em questões de política externa, esvaziando as funções de Filipe Martins, auxiliar de Bolsonaro ligado ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho, que deixa de ser reportar diretamente ao presidente.

Uma pessoa próxima a Bolsonaro afirma, reservadamente, que o presidente está fazendo uma espécie de "freio de arrumação" na área externa, por julgar que havia uma ideologização em excesso no setor. De acordo com essa fonte, Bolsonaro já havia demonstrado insatisfação com Martins, entre outros integrantes da "ala ideológica", nos últimos meses. A área, porém, não deve sofrer uma guinada, visto que o presidente aprecia o trabalho do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Martins é próximo de dois filhos do presidente: o vereador carioca Carlos e, principalmente, do deputado Eduardo.

Nesta semana, Bolsonaro anunciou que o general Walter Souza Braga Netto será o novo titular da Casa Civil, substituindo Onyx Lorenzoni, que irá para o Ministério da Cidadania. Assim, as quatro pastas no Palácio do Planalto passam a ser ocupadas por três generais das Forças Armadas — Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) — e um major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, Jorge Oliveira (Secretaria-Geral).

Olavo ironiza militares

Principal referência da ala que sai enfraquecida, Olavo de Carvalho afirmou ao GLOBO que o Exército "não tem presença na sociedade", mas minimizou a militarização do Planalto. No início do governo, o escritor promoveu seguidos ataques a generais do governo.

— Se você pega um cara do Exército e põe num cargo qualquer, ele não está exercendo uma função militar. Aqui nos EUA, todos os presidentes e todos os ministros têm carreira militar (exceto Clinton e Obama) — afirmou, acrescentado: — Eu fico feliz com a participação do Exército na vida política e social porque o Exército brasileiro não tem presença na sociedade. Eles vivem encostadinhos no canto deles e viram pessoas tímidas. Agora os militares estão presentes, estão participando da vida social. Acho ótimo, tem que colocar mais militar, encher de militar.

No Congresso, há cautela na análise sobre a predominância de militares no primeiro escalão do governo, mas o líder do DEM, Efraim Filho (CE), avalia que a saída de Onyx Lorenzoni da pasta enfraquece a relação do Executivo com o Congresso e há possibilidade de deterioração no diálogo entre parlamentares e o governo.

— Com essa decisão, o governo assume sua identidade próximo daquilo que sempre defendeu. Gera um núcleo militar e tende a se afastar do núcleo político e do parlamento — diz Efraim Filho.

O líder do PSD, Diego Andrade (MG), afirma que só será possível ter uma avaliação "mais clara" da militarização no Planalto no decorrer do tempo. Ele elogia o diálogo com o ministro Luiz Eduardo Ramos, mas faz críticas a outro militar, o almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia.

— Eu não vejo problema na escolha de civis ou militares, desde que que tratem com sabedoria e respeito as instituições. Com o general Ramos, por exemplo, eu tenho um bom diálogo. Já no Ministério de Minas e Energia, eu levei problemas em relação ao operador elétrico. Em Minas está chovendo e o lago (de Furnas) não enche, não sabemos por quê. No meu entendimento, um problema de gestão. E eu não tive uma resposta concreta do ministro. Então, vai de cada um — diz o líder do PSD.

Para o líder do bloco formado pelo MDB, PP e Republicanos no Senado, Esperidião Amin (PP-SC), a interlocução do governo com o Congresso não sofrerá mudanças com a "militarização" do núcleo político do Planalto, uma vez que a articulação com o Parlamento já estava a cargo de Ramos. Líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA) diz que sua impressão é que Bolsonaro "passa a desconfiar da lealdade dos ministros" depois das nomeações. Para ele, o investimento do presidente nos militares é justamente por considerá-los mais fiéis.

— Espero que os militares possam corresponder à tarefa. Se der resultado, não interessa se está com farda — comenta.