O Globo, n. 31603, 15/02/2020. País, p. 14

Funai contraria MPF e não enviará alimentos a tribos

Adriana Mendes


O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, informou ao Ministério Público Federal (MPF) que não irá acatar a recomendação para continuidade da entrega de cestas de alimentos aos indígenas que vivem em terras ainda não demarcadas na região de Dourados e Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. No ofício, Xavier afirma que o auxílio em áreas invadidas "não constitui obrigação legal" da Funai.

O MPF estuda alternativas judiciais para resolver o problema. Em janeiro, o órgão abriu um procedimento administrativo para investigar a interrupção na distribuição das cestas básicas. Indígenas relataram ao GLOBO demora de até dois meses para receber o auxílio. O MPF recomendou à Funai e à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a retomada da entrega que havia sido suspensa.

Para o presidente da Funai, a entrega de cestas em áreas invadidas representa "um paradoxo, que redunda em dano ao erário". Isso porque estaria incentivando "o ato de invasão" e futura condenação judicial do órgão. O presidente Jair Bolsonaro já declarou que não irá demarcar nenhuma área indígena em sua gestão.

Segundo a recomendação do MPF, ao afirmar que as cestas de alimentos não podem ser entregues em áreas indígenas não demarcadas, a Funai "estaria se beneficiando da própria torpeza", uma vez que a não demarcação dessas terras indígenas foi ocasionada pela demora da própria autarquia em atuar dentro das suas funções legais. A Funai ainda não finalizou os procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul. Em 2007, chegou a assinar junto ao MPF um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual se comprometia a agilizar a regularização das áreas reivindicadas pelos indígenas. No entanto, pouco foi feito.

O auxílio é fornecido devido à situação de insegurança nutricional vivida pelas comunidades, mas não existe um cadastramento específico. Para a região de Campo Grande, Dourados e Ponta Porã são destinadas 2.997 cestas pela Conab. A Funai auxilia as entregas em áreas de difícil acesso.

Em inspeção na Conab na última semana de janeiro, o MPF constatou que alguns produtos da cesta básica destinada aos indígenas estavam com apenas três meses de validade. Ações para a entrega não foram cumpridas no fim daquele mês. De acordo com a recomendação, a Conab deverá quinzenalmente informar ao MPF dados referentes à entrega das cestas e às famílias beneficiadas, o que segundo a assessoria do MPF ainda não ocorreu. 

Sem demarcações

Durante uma visita ao Pará para inaugurar a obra de pavimentação de um trecho da BR-163, Bolsonaro voltou a criticar ontem o que considera excesso de demarcação de terras indígenas e quilombolas.

— Não demarcamos nos últimos 13 meses uma só terra indígena. Já temos 14% do território nacional demarcado como terra indígena. Criaram uma verdadeira indústria de demarcações — disse o presidente.