O Estado de S. Paulo, n. 46561, 10/04/2021. Política, p. A4

Bolsonaro acusa Barroso de ‘politicalha’; STF reage

Daniel Weterman
Lauriberto  Pompeu
Rafael Moraes Moura



Em reação ao novo revés sofrido no Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro acusou ontem o ministro Luís Roberto Barroso de fazer “politicalha” ao determinar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do governo na pandemia. Bolsonaro afirmou, ainda, que falta “coragem moral” ao magistrado por se omitir em ordenar, também, a abertura de processos de impeachment de integrantes do próprio STF. As afirmações do presidente aumentaram a tensão entre os poderes e provocaram imediata resposta do Supremo.

A Corte destacou que os ministros tomam decisões de acordo com a Constituição. Horas depois, o ministro Alexandre de Moraes prorrogou por mais 90 dias dois inquéritos que atormentam o governo. Um deles apura a disseminação de fake news contra ministros do STF e outro, o financiamento de atos antidemocráticos. As investigações atingem aliados do presidente.

O Palácio do Planalto age agora para reduzir danos políticos, e uma das estratégias é convencer senadores a retirar assinaturas de apoio ao funcionamento da CPI, sob o argumento de que a hora é de união para combater a pandemia de covid-19. Além disso, está em curso uma contraofensiva de bolsonaristas para incluir prefeitos e governadores como alvos da CPI.

“Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, o que você sempre defendeu, como chegou ao Supremo Tribunal Federal, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti”, disse Bolsonaro em conversa com apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada. “Então, use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Senado Federal. Se tiver moral, um pingo de moral, ministro Barroso, mande abrir impeachment contra alguns dos seus companheiros do Supremo Tribunal Federal.”

A nova crise começou na noite de anteontem, quando Barroso determinou que o Senado instalasse a chamada CPI da Covid, com o objetivo de investigar ações e omissões do governo Bolsonaro na condução da pandemia do novo coronavírus. Ao tomar a decisão, atendendo a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), ambos do Cidadania, o ministro afirmou que já havia os requisitos suficientes para a abertura da CPI. Para instalar uma comissão é necessário o apoio de, no mínimo, 27 dos 81 senadores.

Os defensores da estratégia para emparedar Bolsonaro reuniram 32 assinaturas e protocolaram o pedido em 4 de fevereiro, mas a instalação da CPI sofria resistência do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado do Planalto. A análise sobre pedidos de impeachment de ministros do Supremo também cabe ao Senado e depende de aval de Pacheco.

“Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar”, afirmou Barroso, em nota divulgada por sua assessoria à tarde. O magistrado disse, ainda, que se limitou a aplicar o que está na Constituição, “na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros”.

Antes, o Supremo já havia emitido comunicado que, mesmo sem citar Bolsonaro, tinha endereço certo. “O STF reitera que os ministros que compõem a Corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis e que, dentro do estado democrático de direito, questionamentos a elas devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça”, afirma a nota. A decisão de Barroso ainda passará pelo crivo do plenário do STF, em julgamento marcado para começar no dia 16, e é provável que seja mantida.

Desgaste. A abertura da CPI da Covid preocupa o Planalto por aprofundar o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia, que dura mais de um ano. Até agora, o Brasil já registra quase 350 mil mortes em decorrência de covid-19.

A comissão tem o poder de convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público.

O Congresso instalou a CPI das Fake News em setembro de 2019 para investigar notícias falsas contra adversários de Bolsonaro, mas até hoje a comissão, que é mista, e reúne deputados e senadores, está parada. A explicação oficial é que os trabalhos foram suspensos por causa da pandemia. Desde que Bolsonaro se aliou ao Centrão, no entanto, construiu uma rede de proteção para blindar o governo no Congresso.

“A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que, porventura, tenha desviado recursos federais do combate à pandemia”, escreveu o presidente em suas redes sociais. “Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política.”

Na conversa com apoiadores, Bolsonaro também subiu o tom e acusou Barroso de promover uma “jogadinha casada” com a bancada de esquerda para desgastar o governo. “Eles não querem saber o que aconteceu com os bilhões desviados por alguns governadores e uns poucos prefeitos também”, disse ele.

Em 2007, porém, quando era deputado, Bolsonaro defendeu a decisão do STF de obrigar a Câmara a instalar a CPI do Apagão. À época Bolsonaro era da oposição e o governo estava sob o comando do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (mais informações na pág. A8).

Aliados de Bolsonaro no Senado resgataram uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para proibir decisões tomadas isoladamente por um ministro quando liminares suspendem leis aprovadas pelo Congresso ou atos do presidente. “Mas nós não podemos nos associar a um morticínio”, afirmou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que será indicado pelo partido para compor a CPI da Covid. / Daniel Weterman, Lauriberto Pompeu e Rafael Moraes Moura