O Globo, n. 31592, 04/02/2020. Economia, p. 15

Impacto nas gigantes
Glauce Cavalcanti
Pedro Capetti


Com uma pauta de vendas ao exterior concentrada em commodities, o Brasil já sente o reflexo da epidemia do coronavírus nas ações de algumas das principais exportadoras. Entre o último dia 23 de janeiro e ontem — quando o quadro se agravou e a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência de saúde internacional devido ao aumento do número de casos da doença, que já resultou em mais de 360 mortes — cinco grandes empresas brasileiras perderam R$ 54,4 bilhões em valor de mercado, segundo dados compilados pela consultoria Economática. Para especialistas, isso reflete o te morde um freio na economia global.

— O que estamos vendo agora é um impacto de preço das ações. É muito mais o mercado reagindo e se antecipando a uma notícia ruim do que uma desaceleração econômica propriamente dita — afirma Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos.

Segundo dados do Ministério da Economia, a China representou 28% das exportações do Brasil em 2019, mais que o dobro da fatia dos EUA, segundo principal destino do comércio exterior do país, com 13%. Entre os principais produtos exportados para a China estão soja, óleo bruto de petróleo, minério de ferro, celulose e carne bovina.

Petróleo em queda

Bartolomeu Braz, presidente da Aprosoja Brasil, que reúne os produtores do grão no país, destaca que a oscilação que o coronavírus traz para o mercado financeiro representa risco para as commodities:

— O prejuízo neste momento está mais na derrubada das Bolsas porque isso traz impacto às companhias. Se os investidores tiram dinheiro da Bolsa, isso prejudica as negociações da próxima safra e pode mexer no preço das commodities.

Mais de 77% da soja exportada pelo Brasil entre janeiro e novembro de 2019 seguiram para a China, segundo a Aprosoja, gerando uma receita de US$ 19,5 bilhões. O setor, no entanto, diz Braz, não deve sentir efeitos nas vendas internacionais neste semestre.

— Os embarques seguem normais porque são contratos de longo prazo. Mais de 70% da soja desta safra, com entregas até agosto, já estão negociados — destaca Braz.

Como há espaço para uma recuperação da economia chinesa e contratos de compra de matéria-prima têm longa duração, o impacto nas empresas pode não aparecer no balanço, diz Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.

— Algumas empresas têm contratos garantidos por um período, e acabam não tendo impacto tão forte no balanço. Mas, no geral, poderão ter.

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a crise do coronavírus fará com que as empresas brasileiras se adaptem a um novo cenário de mercado:

— Que vai haver queda de preços das commodities é certo, a dúvida é se vai haver queda de preço e da quantidade demandada. Se houver os dois, as empresas vão perder duplamente. Com a redução da compra de matéria-prima, produções e exportações serão impactadas.

Há setores em que o efeito é mais claro. A China já reduziu em 20% seu consumo diário de petróleo. Com isso, o preço do barril do óleo tipo Brent fechou o dia de ontem cotado a US$ 53,80, o menor patamar desde o fim de 2018.

Com 78% das exportações de petróleo destinadas ao país, a Petrobras viu seu valor de mercado recuar em R$ 17 bilhões em 12 dias. Ontem, seus papéis ordinários (ON, com direito a voto) e preferenciais (PN, sem direito a voto) fecharam com perda de 1,12% e 0,95%, respectivamente.

Procurada, a Petrobras afirmou que os os preços internacionais e fluxos se ajustarão naturalmente e que a companhia está pronta para se adequar a um eventual novo cenário. Uma alternativa será a busca de novos mercados, reforçando a oferta para a Europa.

A Vale, que tem 41,7% de sua receita líquida vindos da venda de minério de ferro para a China, registra queda de R$ 23,5 bilhões em valor desde o dia 23 de janeiro.

No caso da mineradora, porém, é preciso destacar que o período avaliado ocorre logo após o Ministério Público de Minas Gerais denunciar o ex-presidente da companhia Fabio Schwartsman e outras 15 pessoas pelo desastre ocorrido em Brumadinho em 25 de janeiro de 2019.

Proteína animal em alta

A Vale informou que os embarques para a China seguem normais, e que é cedo para medir se haverá impacto.

Na contramão, empresas de proteína animal, como BRF e JBS, ainda que tenham perdas na Bolsa por ora, devem ser beneficiadas com a liquidação do rebanho de matrizes de suínos na China em razão da peste suína africana, que atingiu o país asiático nos últimos meses.

— Houve um pânico no setor frigorífico, mas é um setor que ainda vai se beneficiar esse ano, dada a escassez de oferta. A peste suína vai ter um impacto muito maior do que o coronavírus no setor — diz Esteter, da Guide. O setor vê a oportunidade:

— Em 2019, a peste suína africana fez as exportações de aves do Brasil para a China subirem 34%; as de carne suína, 61%. Com o surto de Influenza Aviária agora, a demanda vai subir. O coronavírus faz da segurança alimentar um pilar fundamental na China, que buscará produtos seguros — diz Francisco Turra, à frente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Na semana passada, a JBS anunciou acordo com o WH Group para distribuição das marcas Friboi e Seara na China. Espera movimentar até R$ 3 bilhões em negócios por ano.

Procurada, a empresa não comentou. Já a BRF disse que monitora riscos e oportunidades na região asiática.

A Suzano, do setor de papel e celulose, foi contatada, mas não comentou a perda de valor de mercado, pois está em período de silêncio antes da divulgação de resultados.