O Globo, n. 31574, 17/01/2020. Economia, p. 19

‘Se não fosse minha filha, não estava nem comendo’, diz idosa

Gabriela Oliva
Felipe Moura


A ex-faxineira Gláucia Rocha, de 54 anos, foi diagnosticada com mielite, doença que causa paralisia nos movimentos, em 2017. Em novembro de 2018, foi a uma agência do INSS para solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), após agendamento feito quatro meses antes. Chegando à agência, o elevador estava quebrado e ela não conseguiu fazer a perícia médica. Uma funcionária do instituto disse que ela seria chamada novamente até março de 2019.

A visita, porém, foi marcada somente para outubro do ano passado, mas em uma agência em Itaboraí, o que impediu o comparecimento de Gláucia, que mora na Glória, Zona Sul do Rio. Para chegar ao outro município, ela levaria cerca de sete horas no trajeto de ida e volta e gastaria R$ 47,60 com transporte público. Ela não teve condições físicas e financeiras de comparecer. Gláucia vive com R $90 por mês coma ajuda de filhos e amigos.

Por causa de sua “falta”, uma nova perícia não pôde ser marcada. Gláucia entrou então com recurso em 27 de novembro de 2019, pelo site Meu INSS, e até hoje aguarda retorno do instituto para marcar outra perícia e dar continuidade ao seu processo.

— Dei entrada nos documentos e estou aguardando um retorno definitivo do INSS. Já faz um ano e um mês que estou esperando no meio dessa confusão. Não me deram prazo, não sei o que pode acontecer.

Militares dividem opiniões

O caso de Gláucia retrata o drama de muitas pessoas que aguardam a concessão de benefícios da Previdência. Hoje, a fila do INSS tem quase dois milhões de pedidos de aposentadoria, salário-maternidade e BPC à espera de resposta. Segundo o instituto, desse total, 1,3 milhão aguardam a liberação há mais de 45 dias — prazo regulamentar do órgão para conceder ou negar uma solicitação. Depois disso, o INSS é obrigado a pagar correção monetária sobre os valores devidos.

Após contribuir para a Previdência por 20 anos, na maior parte do tempo como doméstica, Veralucia Maria da Silva, de 64 anos, deu entrada no pedido de aposentadoria pela internet, em julho do ano passado. Em novembro, no entanto, amoradora do Paranoá — cidade do DF a cerca de 20 quilômetros de Brasília—teve que voltara um posto do INSS para digitalizara carteira de trabalho. Segundo ela, o atendente disse que a resposta deveria chegar em meados de dezembro, o que até hoje não ocorreu.

— Mandaram eu aguardar. Disseram que em dezembro eu receberia a carta para receber, mas até agora nada. Por isso, que eu vim aqui na agência saber, mas tem que aguardar ainda. Tenho minha filha, que me ajuda. Se não fosse ela, não estava nem comendo. Só quem está empregada é ela. Preciso do benefício, não aguento mais ficar dependendo dos outros, fico sem jeito — disse.

Veral ucia aprovou a iniciativa do governo de reforçar o atendimento nos postos com sete mil militares da reserva e torce para que a ação diminua a fila e agilize a resposta que ela tanto espera. A medida foi anunciada esta semana.

— Eu achei boa. Espero que ele cumpra o que prometeu. Espero que dê certo — completou a idosa.

Moradora de São Sebastião, a 25 quilômetros da capital, Ewanderlucy Santos, de 49 anos, chegou à fila do posto do INSS na região central de Brasília às 7h, mas quatro horas depois ainda não havia sido atendida. O filho dela, Edvaldo, de 28, sofreu um acidente de trabalho em 26 de dezembro e foi ao local fazer a perícia, requisito para o auxílio-doença acidentário, custeado pelo INSS após o 15º dia de inatividade. Segundo Ewanderlucy, não havia prazo para que o procedimento fosse feito. Ela não acredita que a colaboração dos militares melhore a situação.

— Acho que o governo só faz piorar a situação. Pode até se esforçar em dar melhoria para o país, mas não consegue —disse a autônoma.