O Estado de S. Paulo, n. 46560, 09/04/2021. Política, p. A4

Barroso manda Senado instalar CPI da Pandemia

Rafael Moraes Moura
Eliane  Cantanhêde


Em um revés para o Palácio do Planalto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem que o Senado instale uma Comissão Parlamentar de Inquérito que tem como objetivo investigar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro no combate à pandemia da covid-19. A chamada “CPI da Pandemia” foi proposta por senadores da oposição há mais de dois meses, mas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vinha resistindo a dar aval ao seu funcionamento.

Uma vez criada, a CPI poderá convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público. A decisão de Barroso aprofunda o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia.

Conforme dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, divulgados na noite de ontem, o Brasil registrou 4.190 novas mortes em decorrência da covid-19 nas últimas 24 horas. O número é equivalente a 174 mortes por hora. Foi a segunda vez que o País superou a marca de 4 mil vítimas em um único dia. O total de mortes na pandemia chegou a 345.287 (mais informações na pág. A19).

O ministro do Supremo comunicou Pacheco previamente do teor da decisão, em um sinal de cortesia – e uma tentativa para que o próprio o presidente do Senado se antecipasse e abrisse a CPI por conta própria, o que não ocorreu. Em entrevista na noite de ontem, Pacheco afirmou que vai cumprir a determinação judicial, embora a qualifique como “equivocada” (mais informações nesta página).

A decisão de Barroso atendeu a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestaram a inércia de Pacheco, que segurou por 63 dias o requerimento pelo início da investigação. Eles reuniram a assinatura de 32 parlamentares em apoio à CPI, mais do que o mínimo de 27 assinaturas necessárias.

“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da covid-19”, observou Barroso. “Ressalto que é incontroverso que o objeto da investigação proposta, por estar relacionado à maior crise sanitária dos últimos tempos, é dotado de caráter prioritário”, disse. O ministro submeteu a liminar para o plenário virtual da Corte, onde será analisada pelos demais integrantes do Supremo, que podem manter ou derrubar a decisão.

Inquérito. O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.

A decisão de Barroso foi tomada no mesmo dia em que o Supremo frustrou novamente as pretensões do Planalto, ao permitir que governadores e prefeitos de todo o País proíbam a realização de missas e cultos presenciais na pandemia. Bolsonaro é crítico a medidas de restrições adotadas para conter a propagação da covid-19 .

Além disso, o Supremo já havia imposto uma série de derrotas a Bolsonaro em ações relativas ao enfrentamento da pandemia. Foi assim, por exemplo, ao garantir a Estados e municípios autonomia para decretar medidas de isolamento social, decidir a favor da vacinação obrigatória contra a covid-19 e mandar o governo detalhar o plano nacional de imunização contra a doença.

Assinaturas. O pedido de abertura da CPI da Pandemia foi protocolado no Senado no dia 4 de fevereiro, inicialmente com 29 assinaturas. Entre os signatários estava o senador Major Olímpio (PSL-SP), que morreu no mês passado vítima da covid19. Na ocasião, houve uma comoção no Senado com a perda do colega – o terceiro desde o início da pandemia –, com críticas à condução do governo federal no enfrentamento da pandemia.

Um ministro do Supremo ouvido reservadamente pela reportagem concordou com a decisão de Barroso e avaliou que a posição pacífica do Supremo é de que é direito da minoria a abertura de uma CPI, se ela tiver objeto específico e um terço de assinaturas, como houve.

O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, considerou a medida “importantíssima”. “Porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências.”

Ao acionar o STF, Vieira e Kajuru destacaram que, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Pacheco declarou que a abertura da CPI seria “contraproducente”. Ao Estadão, o presidente do Senado também deu a mesma declaração e afirmou que questões como a PEC Emergencial e a retomada do auxílio emergencial estavam mais maduras para discussão na Casa.

‘União’. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, criticou a decisão de Barroso. “Num momento em que todos pedem união entre os poderes, nos surpreendem decisões sobre uma CPI que em nada contribuirá para vencer a pandemia”, escreveu Faria no Twitter. “Nossos esforços não deviam estar concentrados em combater a covid-19 e vacinar os brasileiros? É hora de união, não de politização e caos”, completou.

Para cumprir a determinação de Barroso, o próximo passo do Senado é a leitura do requerimento de abertura da CPI, o que deve ocorrer na semana que vem. O colegiado será formado por 11 senadores titulares e sete suplentes, que serão indicados pelos partidos. O prazo de duração da comissão é de 90 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. / Colaboraram Lauriberto Pompeu e Daniel Weterman