O Globo, n. 31590, 02/02/2020. Mundo, p. 38

Largada democrata em Iowa
Paola de Orte


Há um velho ditado em Iowa que diz que um candidato tem que cumprimentar um eleitor três vezes para ganhar seu voto no dia das prévias. Eles querem tanto ganhar no estado que é preciso mais do que apenas aparecer em um comício ou falar na TV. Algumas versões dizem que é preciso apertar a mão do eleitor três vezes e lavar sua louça. Ou cortar sua grama. Iowa é o primeiro estado a participar do processo que escolherá o candidato do Partido Democrata nas eleições de 2020.

Até as eleições passadas, a metáfora que se usava para explicar a importância do estado era que só há “três tickets” para sair de Iowa, pois quem ficava do quarto lugar para baixo perdia doadores e a atenção da mídia. A tendência está mudando este ano. A corrida está embaralhada, e um grande número de candidatos tem aparecido com números bons nas pesquisas. Pode ser que, antes da próxima etapa, a primária de New Hamphire, ainda não se tenha uma ideia clara de quem está na frente.

Bill Brauch, voluntário do partido no condado de Polk, onde fica a capital, Des Moines, não acredita no ditado. —Isso é bobagem! — diz.

Os habitantes de Iowa são pressionados por outros locais por serem os primeiros nos EUA a dar sua opinião sobre quem querem ver como candidato, apesar de serem um dos estados menos populosos e menos diversos do país. Brauch é o responsável por organizar um dos maiores recintos eleitorais no condado e diz que todos os habitantes de Iowa“levam a tarefa a sério ”.

— Acho que muitos eleitores estão sob estresse. Eles não querem cometer um erro. É tão importante vencer Trump.

Estresse

Além do estresse psicológico por contribuir para determinar primeiro quem decidirá o futuro do país — e do “mundo todo”, lembra Brauch — há também o estresse de organizar um processo eleitoral complexo, que abarca locais de votação por todo o estado e para além dele: neste ano, os naturais de Iowa poderão votar também a partir de Glasgow (Escócia), Paris (França) e Tibilisi (Geórgia).

Se é um exagero dizer que é preciso apertar a mão de cada eleitor três vezes, continua a ser verdade que os candidatos levam o processo muito a sério. Qualquer um que queira ter uma chance no estado já está se preparando ao menos desde a feira de Iowa de agosto passado. A cada ciclo eleitoral, ela é invadida por senadores de toda parte que vêm até o estado conversar com eleitores e posar comendo um constrangedor palito de salsicha. Ou uma barra de Snickers frita.

Dois candidatos, Elizabeth Warren e Bernie Sanders, tiveram que deixar o estado para participar do julgamento do impeachment de Trump em Washington. Voltaram em seguida. Às 23h de sexta, Warren já estava fazendo selfies com apoiadores em uma cervejaria de Des Moines. Uma exceção à presença em Iowa é Michael Bloomberg, que entrou tarde na corrida e optou por investir boa parte da fortuna em propaganda em outros estados que decidirão mais tarde o candidato do Partido Democrata.

Ele e Trump, coadjuvantes em Iowa — o Partido Republicano também faz caucus, mas não há expectativa de que Trump perca —, não quiseram passar em branco o domingo. Os dois investiram em anúncios que passarão no intervalo do Super Bowl, um dia antes das prévias. AmyKlobuchar e Pete Buttigieg já anunciaram festas para assistir à final de futebol americano. Não são só candidatos que se apaixonam por Iowa a cada quatro anos. Cidadãos comuns deixam suas casas nos estados mais distantes apenas para ver de perto o caucus local, um processo do qual nem participarão.

Na fila para selfies com Warren na sexta, o GLOBO conversou com dois grupos de turistas políticos: um de Portland, no Oregon, outro de Boston, Massachusetts. Uma grande cidade da Costa Oeste e outro centro urbano da Costa Leste. Representantes das duas costas se encontram em Iowa, localizado em uma região pejorativamente chamada fly over country, país de sobrevoo, para se referir aos estados que ficam entre as duas costas.

Perto do candidato

Os habitantes desses estados se ressentem daquilo que entendem como um preconceito das elites das costas e, em grande parte, esse sentimento foi responsável por dar vitória a Trump em 2016. Os turistas vêm a Iowa para fazer selfies, ajudar na campanha e ver de perto os candidatos.

Na maior parte dos estados, não é tão comum cruzar com eles na rua, ou no pub da esquina. Viralizou na internet no ano passado um vídeo em que a então candidata Kirsten Gillibrand, sentada no balcão de um restaurante em Iowa City, vê uma jovem se aproximar e pensa que quer fazer uma pergunta.

— Desculpe, só estou tentando alcançar o molho ranch — respondeu a estudante. Os turistas também querem ver de perto os caucus. O processo em Iowa é reconhecidamente complicado: não funciona por voto, nem de máquina, nem de papel. As pessoas vão até um local perto da sua casa: pode ser uma quadra de basquete numa escola, um hospital. Ou a casa de um vizinho. E literalmente se reúnem em grupos: quem gosta de Joe Biden, vai para um canto. Quem quer Warren, para outro. O número de “cantos” é o número de candidatos. Mas, se um candidato tiver menos de 15% de apoiadores naquele local, o grupo que o apoia tem que se dissolver e escolher outro canto para ficar. O caucus é parte do folclore local.

— Não vou votar no caucus, mas estamos encorajando outras pessoas a votar. Chegamos ontem e pedimos votos o dia todo — diz Kristin Almy. Ela e as amigas vieram de Portland para ver Warren. Sarah Rochefort estuda Comunicação Política em Boston e veio a Iowa com colegas da universidade. No dia do caucus, eles vão pedir votos para os candidatos e se voluntariar para trabalhar. 

— Cada um escolheu o candidato que queria ver. Eu sou muito fã da Warren. Consegui conhecê-la. E foi sensacional.