O Estado de S. Paulo, n. 46559, 08/04/2021. Política, p. A8

Gilmar critica advogado-geral e PGR

Rafael Moraes Moura
Paulo  Roberto Neto
Rayssa  Motta


Ao votar ontem contra a abertura de igrejas e templos diante do agravamento da pandemia, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o Brasil se tornou um "pária internacional" no combate à covid19. Relator de uma ação do PSD contra decreto do governador de São Paulo, João Doria, que proíbe atividades religiosas presenciais na fase mais aguda da doença, o ministro criticou as posições adotadas pelo advogado-geral da União, André Mendonça, e pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O julgamento será retomado hoje.

Cotados para a vaga que será aberta no Supremo em julho, Mendonça e Aras defenderam a realização de missas e cultos mesmo no momento em que o País atravessa o pior momento da crise sanitária, registrando mais de 341 mil mortes provocadas pelo coronavírus. Os dois são próximos do presidente Jair Bolsonaro, que já disse ter intenção de nomear um nome "terrivelmente evangélico" para o Supremo. Aras é católico e Mendonça, pastor da Igreja Presbiteriana Esperança.

A análise da controvérsia sobre a abertura de igrejas e templos foi levada ao plenário após Gilmar e o ministro Kassio Nunes Marques tomarem decisões conflitantes a respeito do tema. A sessão de ontem foi encerrada após a leitura do voto de Gilmar.

"O Brasil, que já foi exemplo em atividades de saúde pública, de política de vacinação – eu falei do trabalho contra a Aids, realizado pelo ministro da Saúde Serra (José Serra, ex-ministro do governo FHC) – hoje está nessa situação altamente constrangedora. Como queria o ex-chanceler Ernesto Araújo que nós nos transformássemos num pária internacional. Ele produziu essa façanha. Nos tornamos esse pária internacional no âmbito da saúde", afirmou Gilmar.

O ministro criticou o que chamou de "uma agenda política negacionista". Além disso, considerou "surreal" o argumento de que o fechamento temporário de eventos coletivos em templos religiosos "teria algum motivo anticristão". "É também a gravidade dos fatos que nos permite ver o quão necessário é desconfiarmos de uma espécie de bom mocismo constitucional, muito presente em intervenções judiciais aparentemente intencionadas em fazer o bem", alfinetou o ministro, sem citar explicitamente a decisão de Nunes Marques.

A tendência é que o STF acompanhe o entendimento de Gilmar de que Estados e municípios podem, sim, proibir a realização de missas e cultos diante do agravamento da pandemia. Caso Nunes Marques peça mais tempo para análise e suspenda o julgamento, integrantes da Corte consideram antecipar os seus votos.

No intervalo da sessão, o presidente do STF, Luiz Fux, rebateu o advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha, do PTB, que recorreu a um trecho da Bíblia ("Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem") para criticar os defensores do fechamento de igrejas. "Repugno esta invocação graciosa da lição de Jesus", disse Fux.