O Globo, n. 31574, 17/01/2020. País, p. 6

Relatório aponta alta de 54% em ataques à imprensa e a jornalistas

Pedro Medeiros


Casos de ataques a jornalistas e veículos de comunicação cresceram 54% no último ano. É o que aponta o relatório “Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), divulgado ontem. No período de um ano, as agressões saltaram de 135 para 208. Segundo a federação, em seu primeiro ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro foi responsável, sozinho, por 58% desse total — seja no Twitter, em transmissões ao vivo nas redes sociais ou entrevistas.

No documento, 114 casos representaram tentativas de descredibilização da mídia, que são a maioria dos ataques à liberdade de imprensa no Brasil. Essa categoria não constou dos relatórios anteriores e foi criada, segundo a Fenaj, em razão da institucionalização das críticas, como, por exemplo, as feitas por meio dos canais oficiais da Presidência da República. Ameaças e intimidações contabilizaram 28 casos. Já as agressões verbais somaram 20. Junto com as tentativas de descredibilização da imprensa, são as três mais recorrentes.

A região que apresenta mais casos é o Sudeste, com 44 registros. Só o estado de São Paulo teve 19, seguido pelo Distrito Federal, com 13, e o Rio de Janeiro, com 12. Os políticos foram os principais autores de ataques, sendo responsáveis por 144.

Bolsonaro teve um ano de constante atrito com a imprensa e diversos veículos de comunicação. De acordo com a Fenaj, os ataques presidenciais se concentraram em agressões verbais, descredibilização da imprensa e ameaças ou intimidações. Um dos exemplos mencionados foi uma publicação de Bolsonaro em sua conta do Twitter no dia 13 de setembro: “Nossa inimiga: parte da grande imprensa. Ela não nos deixará em paz. Se acreditarmos nela será o fim de todos”, escreveu o presidente.

O relatório cita também a ameaça feita por Bolsonaro em julho ao jornalista Glenn Greenwald, do site “The Intercept Brasil”: “Talvez pegue uma cana aqui no Brasil”. O site divulgou reportagens sobre mensagens atribuídas ao ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e ao procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Além das redes sociais

O relatório afirma que cinco dos ataques do presidente foram agressões verbais a jornalistas durante entrevistas. Em um dos casos, no dia 20 de dezembro, ao ser questionado sobre a operação do Ministério Público (MP) que mirou seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, o presidente respondeu a um repórter do Globo:

— Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual.

Segundo a presidente da Fenaj, Maria José Braga, é necessário que a sociedade cobre uma postura de maior respeito do presidente.

— Houve uma institucionalização da violência contra o jornalista, dada através da Presidência da República, com o presidente desferindo ataques verbais diretamente contra profissionais ou ataques genéricos e generalizados contra a imprensa. O número é muito alto (121 ataques) e exige que a sociedade brasileira se posicione e cobre do presidente que respeite, ao menos, a liturgia do seu cargo — afirmou Braga em entrevista à GloboNews.

Ontem, Bolsonaro atacou a imprensa no início e no fim do dia. Pela manhã, ele se recusou a responder uma pergunta sobre a permanência de Fabio Wajngarten à frente da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom). Bolsonaro mandou uma repórter do jornal “Folha de S.Paulo” calar a boca e disse que o veículo “não tem moral para perguntar”. Em resposta, a “Folha” divulgou nota afirmando que “o presidente volta a atacar a Folha sem explicar os conflitos de interesse de seu assessor” e que continuará a “praticar um jornalismo técnico, crítico e apartidário em relação a seu governo”. Em um evento no Palácio do Planalto no início da noite, o presidente disse que a imprensa deveria “tomar vergonha na cara”.

Bolsonaro também atacou a jornalista Thaís Oyama. Ela lançará este mês o livro “Tormenta. O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos” em que escreve sobre bastidores do primeiro ano de mandato do presidente.

Entre outros episódios, a obra relata que Bolsonaro teria cogitado demitir o ministro da Justiça Sergio Moro em agosto do ano passado. O motivo seria a irritação com Moro após ele ter pedido ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconsiderasse a decisão de paralisar investigações baseadas em dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). Flávio Bolsonaro era alvo de uma delas.

— Deturpam o tempo todo e quando não conseguem deturpar, mentem descaradamente. Esse é o livro dessa japonesa que eu não sei o que faz no Brasil, que faz agora contra o governo —afirmou.

Ao contrário do que afirmou Bolsonaro, Thaís é brasileira e tem ascendência japonesa. Procurada, ela disse que não comentaria as declarações do presidente.

Além de Bolsonaro, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, também foi citado no relatório da Fenaj. Uma repórter da TV Globo foi constrangida e teve seu microfone empurrado durante entrevista coletiva. Em dezembro, Crivella também proibiu que jornalistas do Grupo Globo participassem de coletivas de imprensa da prefeitura. Os veículos recorreram à Justiça e obtiveram uma liminar que garante o acesso às entrevistas.

Outro tópico do relatório é o cerceamento à liberdade de imprensa por meio de decisões judiciais. Há menção ao episódio protagonizado pelo ministro STF Alexandre de Moraes ao determinar que o site “O Antagonista” e a revista “Crusoé” retirassem do ar reportagem que citava Toffoli.