O Globo, n. 31574, 17/01/2020. País, p. 4

Nova caneta

Carolina Brígido


A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de adiar por seis meses a aplicação da regra do juiz de garantias não deve colocar ponto final na discussão. Toffoli tomou a decisão no recesso da Corte, quando apenas causas urgentes são julgadas. A partir do dia 20, o vice-presidente, Luiz Fux, assumirá o plantão. A interlocutores, ele já disse que é contra a norma. A expectativa é de que, no comando do tribunal, ele tome nova decisão — como, por exemplo, apenas suspender a validade da regra, sem estipular prazo.

Antes de decidir, Toffoli telefonou para Fux para conversar sobre o assunto. O presidente sabe que seu vice é contra a regra do juiz de garantias. Ainda assim, concedeu uma liminar considerando a norma constitucional e adiando a data de aplicação. Essa decisão pode melindrar a relação entre os dois, na avaliação de um ministro ouvido reservadamente pelo Globo.

Segundo esse ministro, Toffoli poderia apenas ter suspendido a aplicação da medida, sem criar prazo e sem considerá-la constitucional. Da forma como foi tomada, a decisão teria adentrado aspectos muitos específicos, que apenas o relator poderia analisar. Coincidentemente, em dezembro, quando os processos que questionam a norma chegaram ao tribunal, o próprio Fux foi sorteado relator. Logo, se o ministro quiser rever a decisão de Toffoli na próxima semana, o entendimento dele terá validade de longo prazo. Isso porque, quando o tribunal retomar suas atividades, em fevereiro, o assunto continuará nas mãos de Fux.

Depois de cuidar da liminar, o relator precisa elaborar um voto e submeter a julgamento em plenário. Não há prazo para isso ocorrer. Quando o tema for levado ao plenário, a tendência é a regra do juiz de garantias ser considerada constitucional. Sete dos 11 ministros do STF já elogiaram a medida.

Ações na corte

Foram apresentadas três ações ao STF contra a regra do juiz de garantias. Uma é de autoria do Podemos e do Cidadania; a outra é da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); e a outra, do PSL, o antigo partido do presidente Jair Bolsonaro. Segundo as ações, a lei trouxe uma série de problemas, entre eles: não ter previsto prazo de transição, não ter respeitado a autonomia dos tribunais para colocar a norma em prática, e ignorar a falta de estrutura em algumas comarcas para possibilitar a aplicação da regra.

Pela lei, o juiz de garantias passará a acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. Caberá a esse juiz atuar na fase da investigação e autorizar, por exemplo, a quebra dos dados sigilosos dos investigados. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determina a sentença ao fim das investigações. A intenção da nova regra é dar maior isenção aos julgamentos no país.

Investigações em curso que não forem objeto de denúncia do Ministério Público (MP) nos próximos seis meses serão afetadas pela regra do juiz de garantias. De acordo com a decisão de Toffoli (leia mais no box ao lado), se a denúncia for apresentada apenas depois de começar a vigorar a norma — ou seja, em seis meses —, o caso será transferido para outro juiz.

Esse detalhe pode atingir investigações da Lava-Jato e pode levar o MP, que é contrário à regra do juiz de garantias, a acelerar a apresentação de denúncias em processos por todo o país. Um dos casos que entra nessa regra de transição é o do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), investigado pelo MP-RJ por suspeitas de se apropriar do dinheiro de seus antigos funcionários na Assembleia Legislativa e empregar fantasmas, além de lavar dinheiro em imóveis e em uma loja de chocolates.

O processo está sendo conduzido pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio. O magistrado quebrou o sigilo bancário do senador e de outras 93 pessoas e empresas, além de ter determinado buscas e apreensões em endereços do senador e de parentes dele. Se o Ministério Público apresentar denúncia em até seis meses, Nicolau permanecerá com o caso. Se a eventual denúncia vier depois desse prazo, o processo mudará de mãos.

Defesa na transição

Na sua decisão, Toffoli enfatizou as hipóteses em que o juiz será mantido depois dessa janela de 180 dias e argumentou que a regra de transição evita “a necessidade de redistribuição de inúmeras investigações já em curso no país”.

“Estamos assim a evitar avalanche de inquéritos que eventualmente teriam de ser redistribuídos. Ambas as regras de transição, além de evitar dúvidas jurídicas que poderiam causar interpretações diversas e judicialização da questão, têm fundamento no ordenamento jurídico que diz que quando houver nova regra processual deverá produzir efeitos apenas prospectivos. Portanto tais soluções atendem a um só tempo as normas processuais e ao princípio do juiz natural e da segurança jurídica”, escreveu.

A norma do juiz de garantias foi aprovada pelo Congresso em dezembro e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no pacote anticrime. A previsão era que a regra entrasse em vigor no dia 23. Na última quarta-feira, Toffoli deu liminar estendendo esse prazo para seis meses, para que o Judiciário possa adequar sua estrutura às mudanças.

O que Toffoli decidiu ao adiar o juiz de garantias

> No parecer que prorrogou por 180 dias a aplicação do juiz de garantias, o presidente do STF decidiu que, nos casos em curso, o juiz da fase de instrução também será responsável pela sentença, desde que o MP apresente a denúncia na janela de seis meses.

> prazo, o caso será transferido para outro magistrado dar a sentença. Assim, o juiz responsável por medidas como quebras de sigilo e prisões provisórias não julgará o mérito do caso.

> Pela decisão, não haverá juiz de garantias em casos do Tribunal do Júri e de violência doméstica.