O Globo, n. 31573, 16/01/2020. Economia, p. 16

Reforço militar é de um terço do efetivo do INSS

Pollyana Bretas
Stephanie Tondo
Renata Vieira


O reforço do efetivo do Instituto Nacional do Seguro Social ( INSS) com a contratação de sete mil militares da reserva equivale a praticamente um terço do efetivo do órgão, que hoje é de cerca de 23 mil servidores. A operação é planejada pelo governo para reduzir a fila de quase dois milhões de pedidos de benefícios. A tarefa não será fácil. O INSS recebe por mês um milhão de novos requerimentos.

Segundo cálculo do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o órgão tem hoje cerca de 5 mil servidores destacados para analisá-los, ou seja, são 200 novos pedidos como aposentadorias, salários-maternidade e Benefícios de Prestação Continuada (BPC/Loas) por mês para cada funcionário.

O governo deve divulgar até sexta-feira o decreto que regulamentará a contratação temporária dos militares. Por ora, só está definido que eles serão treinados pelos servidores do INSS nas próprias agências onde ficarão lotados. Cuidarão da organização do atendimento nos postos, incluindo fazer triagens, gerar senhas, receber documentos, imprimir extratos e alimentar sistemas. O plano, divulgado pelo governo na terça-feira, é liberar até 2,5 mil servidores que fazem esses serviços atualmente para reforçar a análise dos processos. O trabalho de tirar dúvidas sobre benefícios, porém, continuará com os servidores, informou o INSS.

Os militares vão substituir técnicos do seguro social, que ganham entre R$5,4 mil e R$ 9 mil, e analistas do seguro social, com remuneração entre
R$8,3 mil e R$13 mil. O IBDP, especialistas do setor e sindicatos de servidores da Previdência criticaram o plano. Luiz Felipe Veríssimo, advogado especializado em direito previdenciário do escritório SAFV, alerta que a necessidade de treinamento atrapalha mais no curto prazo:

— Os funcionários do INSS terão a missão de treinar os militares, o que vai exigir o deslocamento de mais mão de obra que deveria analisar pedidos. O treinamento seria feito até abril, enquanto isso, mais pedidos ficariam acumulados.

Fila grande desde 2019

O advogado Manoel Peixinho, especializado em Direito Constitucional, diz que uma boa saída seria reaproveitar pessoal de outras empresas públicas:

— O governo deveria fazer um mapeamento para descobrir onde há excesso de servidores nas empresas públicas e tentar fazer remanejamentos. Isso evitaria gastos públicos com demissão ou programas de demissão voluntária.

No ano passado, o Ministério da Economia já havia autorizado o remanejamento de 319 servidores da Infraero e de 62 da Valec para reforçar o quadro de funcionários do órgão. Apenas 80 da Infraero, no entanto, foram transferidos até agora, segundo a pasta, além dos 62 da Valec.

Para o governo, a opção pelos militares é a mais responsável do ponto de vista fiscal. O secretário especial de Trabalho e Previdência, Rogério Marinho, argumenta que contratar novos servidores por concurso ou por contratos terceirizados seria mais caro. Os militares da reserva serão remunerados com acréscimo de 30% ao atual soldo, como previsto na recém-aprovada reforma previdenciária dos militares. A operação vai custar R$ 14,5 milhões por mês.

Segundo o governo, a força de trabalho dos militares permitirá ao INSS analisar todos os pedidos atrasados em seis meses, de abril a setembro. No ritmo em que estava, isso só seria possível num prazo de 17 meses. Até o final de março, o Ministério da Defesa vai selecionar os militares que, voluntariamente, poderão se candidatar aos cargos.

A espera no INSS já era grande no início de 2019, quando muitos funcionários do órgão começaram ase aposentar. Um dos incentivos foi a incorporação de uma gratificação à aposentadoria, obtida em negociação com o governo Dilma Rousseff após greve em 2015. Somente no ano passado 6 mil servidores se aposentaram. Duzentos estão cedidos a outros órgãos. O último concurso foi em 2016.

O INSS alega que investiu na digitalização dos processos e, segundo o órgão, hoje 100% dos pedidos são feitos de forma digital. Entretanto, segundo o IBDP, só cerca de 20% têm concessão automática, sem necessidade de análise do servidor por alguma pendência ou inconsistência.

Na fila estão casos como o do aposentado Jorge Dias Patrício, de 74 anos, que não recebe seu benefício desde meados do ano passado. Morador da Glória, na Zona Sul do Rio, ele começou a ter problemas com o INSS em 2018, quando foi hospitalizado com complicações do diabetes. Teve que amputar as duas pernas e perdeu a visão. Por isso, não conseguiu comparecer a uma agência do INSS para uma prova de vida. Com os problemas no atendimento, a família ainda não conseguiu regularizar o pagamento da aposentadoria dele, suspenso pelo órgão em julho de 2019, justamente quando Jorge mais precisava.

— O processo é complicado e burocrático. Iniciamos um processo judicial para conseguir resolver. Na última terça feira, tivemos que ficar o dia inteiro na agência da Praça da Bandeira. Prometeram pagar o valor em atraso dentro de quatro dias — diz Lucy Duarte, mulher de Patrício, acrescentando que um funcionário do INSS chegou a pedir uma foto do idoso com o jornal do dia para comprovar que ele não estava morto.

— Eu e meu marido fomos humilhados.

TIire suas dúvidas sobre o plano do governo

Qual é o tamanho da fila no INSS?

Atualmente, segundo o INSS, há quase dois milhões de benefícios à espera de concessão de aposentadorias, salários-maternidade e Benefícios de Prestação Continuada (BPC/Loas). Desse total, 1,3 milhão de pedidos aguardam liberação há mais de 45 dias, o prazo regulamentar para o órgão conceder ou negar um pedido, informou o INSS. Depois disso, o órgão é obrigado a pagar correção monetária sobre os valores devidos que não foram pagos regularmente.

Por que há tantos pedidos em espera acumulados?

A fila já era grande desde o início de 2019, quando muitos funcionários do INSS começaram a se aposentar. Um dos incentivos foi a obtenção, após a greve de 2015, do direito de incorporar uma gratificação à aposentadoria. No fim de 2018, a estimativa do próprio INSS era de que 55% dos servidores do órgão, ou cerca de 18 mil funcionários, poderiam se aposentar no ano passado. Na ocasião, o INSS chegou a pedir ao Ministério do Planejamento um concurso para preencher 7.888 vagas, mas não foi atendido.

Mas os processos não são digitalizados?

O INSS alega que investiu na digitalização dos processos e tem, hoje, 100% dos pedidos feitos de forma digital. Entretanto, segundo o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário( IBDP ), só cerca de 20% dos pedidos têm concessão automática, sem necessidade da análise de um servidor por alguma pendência ou inconsistência. Segundo a entidade, o fluxo é de cerca de 1 milhão de requerimentos por mês. E o INSS tem cerca de 5 mil servidores para analisá-los, ou seja, são 200 novos pedidos por mês por funcionário.

A reforma da Previdência agravou o quadro?

A fila já era grande antes, mas, com as discussões sobre a reforma, houve um aumento nos pedidos de aposentadoria, apesar de a reforma não alterar as regras para quem já tinha direito adquirido. Além disso, passados dois meses da aprovação da reforma, o sistema do INSS ainda não foi atualizado para calcular a concessão da aposentadoria pelas novas regras. Por isso, desde 13 de novembro, quando a reforma da Previdência entrou em vigor, nenhum pedido de aposentadoria foi atendido.

Quantos servidores o INSS tem hoje?

O instituto diz ter 23 mil funcionários. No fim de 2018, eram 33 mil. O último concurso para o órgão foi realizado em 2016. Os 7 mil militares convocados pelo governo representarão, assim, o equivalente a quase um terço do efetivo do órgão.

Como será a atuação dos militares?

Segundo o governo, os militares vão atuar nos balcões das agências para receber a documentação de quem pede o benefício. A ideia do governo é liberar cerca de 2 mil servidores do INSS que hoje fazem este atendimento para atuarem na análise de processos já protocolados. Os militares só começarão a atuar em abril porque antes precisam ser treinados pelo próprio INSS.

Qual será o custo da operação? O governo estima gastar cerca de R$ 14,5 milhões por mês, até o fim do ano. Alega que será mais rápido e barato do que contratar temporários porque os militares da reserva receberão apenas um acréscimo de 30% nos atuais soldos e não precisarão de processo seletivo.