O Globo, n. 31573, 16/01/2020. Rio, p. 9

Preocupado, carioca tem recorrido até a nascente

Rafael Nascimento de Souza


Sem condições de comprar água mineral, o auxiliar de pedreiro Vardecino de Oliveira, de 54 anos, buscou ontem uma alternativa para encher as garrafas de sua geladeira. Morador de Santa Teresa, ele foi de ônibus para o Cosme Velho e subiu o Morro do Cerro-Corá, onde, numa área de mata, encheu dois galões de 20 litros em uma nascente. Não foi fácil carregá-los, mas, entre expressões de cansaço, sorria ao falar do sacrifício.

— Estou fazendo isso duas vezes por semana. Desde o início do mês, a água sai das torneiras de casa com cheiro e gosto muito fortes. Minha família tem 15 pessoas, e todo mundo passou mal. Moro no Morro dos Prazeres, onde estão vendendo a garrafa de 1,5 litro de água mineral por R$ 4. Não dá para mim. A nascente é muito boa, vale o esforço—disse Vardecino, acrescentando que planeja voltar amanhã à fonte do Cosme Velho.

O auxiliar de pedreiro contou que chegou a ferver a água fornecida pela Cedae, mas acabou desistindo de bebê-la ou usá-la para preparar alimentos.

— A comida também ficava com gosto ruim. E ferver água toda hora era outro problema, estava gastando muito gás —contou Vardecino, que levou meia hora para encher os galões.

‘Importação’ de galões

Em Irajá, a alternativa encontrada pelo empresário Antônio Carlos de Oliveira Júnior, de 44 anos, exigiu menos esforço, porém demandou dinheiro e paciência. Como em praticamente todo o Rio, falta água mineral no bairro, e ele resolveu encomendar seis galões de 20 litros a um parente que mora em Maricá.

— Fui a uma quantidade enorme de supermercados e depósitos, e não encontrei nada. Pago um pouco mais caro ao pedir galões para meu parente de Maricá, tem o gasto com a gasolina, mas fico despreocupado. Não dá para comprar as garrafas que ambulantes estão vendendo nas ruas, a gente não sabe a procedência —disse Antônio Carlos, que mora com uma irmã e duas sobrinhas.