O Globo, n. 31573, 16/01/2020. Rio, p. 9

O Guandu é verde

Felipe Grinberg
Renan Rodrigues


Treze dias após a contaminação da água da Cedae por geosmina, substância orgânica provocada pela proliferação de algas no Rio Guandu, professores de vários departamentos da UFRJ divulgaram uma nota técnica, ontem, com um alerta. No comunicado, os especialistas afirmaram que “há uma ameaça real à segurança hídrica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”. Segundo eles, o abastecimento está em risco por conta do despejo de esgoto nos rios dos Poços, Queimados e Ipiranga, afluentes que deságuam a menos de 50 metros da estrutura de captação da concessionária.

Moradores do Rio têm relatado, desde o período do réveillon, sintomas semelhantes aos de uma gastroenterite após identificarem turbidez, cheiro e gosto de terra na água fornecida pela Cedae. Foram registradas reclamações em 69 bairros da cidade e em seis municípios da Baixada Fluminense. Para os professores da UFRJ, é preciso buscar soluções porque, hoje, a Região Metropolitana “é refém da oferta quantitativa da água do Rio Paraíba do Sul e da qualidade ambiental e sanitária dessa bacia”, que recebe esgoto em estado bruto, “desprovido de qualquer tratamento”.

Engenheiro sanitarista, Isaac Volschan —professor da Escola Politécnica da UFRJ e um dos signatários do comunicado — afirmou que um abastecimento de qualidade dependerá de obras de saneamento básico na região do Guandu.

— Existem algumas espécies de cianobactérias que podem gerar cianotoxinas, que são substâncias com efeito prejudicial à saúde pública. Elas representam um sério risco sanitário. É muito preocupante depender de um manancial com grande despejo de esgoto, fonte de nutrientes para micro-organismos tóxicos —disse o especialista.

Volschan criticou a forma como a Cedae tratou a questão da contaminação da água por geosmina, substância que não provoca turbidez:

— Limitar a questão da ausência de risco sanitário somente à avaliação do sabor e odor incorporados à água não resolve o problema.

Também assinam a nota técnica Fabiana Valéria da Fonseca, Francisco de Assis Esteves, Iene Christie Figueiredo, Renata Cristina Picão e Sandra Maria Feliciano de Oliveira e Azevedo. Eles foram escolhidos pela universidade por desenvolverem pesquisas relacionadas à ecologia aquática, recursos hídricos, saneamento e saúde pública. O grupo sugere que a Cedae lide com o problema da qualidade da água de forma transparente, divulgando informações e promovendo ações de conscientização social da amplitude da crise. Para os especialistas, é urgente investir em saneamento básico a longo prazo.

“Esse problema crônico tem reflexos altamente negativos na economia e na saúde pública, e está diretamente relacionado à perda da qualidade da água de nossos mananciais, aumentando o risco e a vulnerabilidade das populações humanas”, diz um trecho do comunicado. A concessionária não se pronunciou sobre o alerta da UFRJ.

Sem previsão de melhora

Pela primeira vez, o presidente da Ceda e, Hélio Cabral, falou sobre acrise e pediu desculpas à população pelos transtornos. Ressaltando que a água da concessionária, apesar do cheiro e do gosto, não oferece risco à saúde, ele disse ontem, numa entrevista coletiva, que não pode prever quando a qualidade do abastecimento será restabelecida. O executivo não esclareceu a causa da turbidez.

Cabral informou que o equipamento recém-comprado para a aplicação de carvão ativado no tratamento, processo que retém a geosmina, só deverá chegar à concessionária na semana que vem. Perguntado se está consumindo a água da Cedae, ele respondeu:

— A água que sai da minha torneira eu bebo.

“É muito preocupante depender de um manancial com grande despejo de esgoto, fonte de nutrientes para microorganismos tóxicos” _ Isaac Volschan, engenheiro sanitarista e professor da UFRJ