O Globo, n. 31573, 16/01/2020. País, p. 4

Novo Prazo

Carolina Brígido


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli, adiou por seis meses a aplicação da medida que cria o juiz de garantias. Apesar de considerá-la constitucional na decisão, o ministro ressaltou que o Judiciário precisará do prazo para se adequar à nova regra. A norma está prevista na lei anticrime, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Os demais pontos da legislação entram em vigor no próximo dia 23.

— O juiz das garantias deve ser implementado de maneira consciente em todo o território nacional, respeitando-se as autonomias e as especificidades de cada realidade e de cada tribunal — disse Toffoli, que acrescentou:

— O prazo de 30 dias fixado para a vigência da lei é insuficiente e não é razoável, não é factível para que os tribunais possam promover as devidas adaptações e adequações. Portanto, impõe-se a fixação de um regime de transição mais adequado e mais razoável, que viabilize inclusive sua adoção de forma progressiva e programada pelos tribunais.

Antes mesmo de Bolsonaro sancionar a lei, Toffoli deu aval à norma ao presidente, além de ter garantido que a novidade era constitucional. No STF, sete dos onze ministros já deram declarações favoráveis à regra que instituiu o juiz de garantias. Por outro lado, o ministro Luiz Fux afirmou a interlocutores ser contrário à medida. Para ele, o Judiciário não teria estrutura para instituir a novidade. Toffoli, por sua vez, acredita que a aplicação da nova lei não demandará mais estrutura, apenas o remanejamento dos recursos existentes.

— Eu não vejo necessidade de aumento no número de juízes, porque o serviço que era feito por um juiz passará a ser feito por outro. Mas esse outro juiz que vai fazer o serviço de instrução e julgamento não atuará mais no processo de investigação. Então, existe uma compensação. Se você for pensar em horas de trabalho por magistrado, existe uma contabilidade que fecha — declarou.

A decisão de Toffoli foi tomada durante o recesso da Corte, quando apenas casos urgentes são julgados. O plantão para a análise desses processos passará no dia 20 para as mãos de Fux, vice-presidente do tribunal. Se considerar necessário, Fux poderá derrubar a decisão de Toffoli e suspender a norma por tempo indeterminado, se for apresentada nova ação sobre o assunto ou recurso nas ações já julgadas pelo presidente da Corte.

Elogio de Moro

Toffoli anunciou a decisão, que soma 40 páginas, em um comunicado à imprensa ontem. Antes, ele se reuniu com o ministro da Justiça, Sergio Moro, um dos maiores críticos da norma do juiz de garantias. Após o anúncio de Toffoli, Moro elogiou a decisão em sua conta no Twitter: “Embora eu seja contra o juiz de garantias, é positiva a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender, por seis meses, a sua implementação. Haverá mais tempo para discutir o instituto, com a possibilidade de correção de, com todo respeito, alguns equívocos da Câmara”, escreveu.

A decisão de Toffoli atende, portanto, a duas frentes. A primeira delas é sua convicção pessoal de que a medida é constitucional. Em outra perspectiva, atende a Moro, ao adiar a aplicação de uma norma considerada por ele prejudicial para as investigações criminais.

O presidente do Supremo julgou três ações apresentadas contra a regra do juiz de garantias. Uma das ações é de autoria do Podemos e do Cidadania; a outra é da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); e a outra, do PSL, o antigo partido de Bolsonaro. Segundo as ações, a lei não previu regra de transição, embora tenha dado prazo de 30 dias para a criação do juiz de garantias. “Não haverá magistrado em número suficiente para atender a demanda”, alertou a ação das associações de magistrados.

As entidades afirmam também que “o Poder Judiciário brasileiro não possui estrutura suficiente para a sua implementação e funcionamento regular”. Pela lei, o juiz de garantias passará a acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. Caberá a esse juiz atuar na fase da investigação e autorizar, por exemplo, a quebra dos dados sigilosos dos investigados. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determina a sentença ao fim das investigações. A intenção da nova regra é dar maior isenção aos julgamentos no país.

Ontem, acabaria o prazo para o grupo de trabalho criado no CNJ apresentar propostas para instituir a medida. O grupo recebeu mais de cem sugestões de juízes e de entidades ligadas ao Judiciário e, a partir delas, vai elaborar um plano de implementação da nova regra. Toffoli deu novo prazo ao grupo: até 29 de fevereiro, os integrantes terão de encaminhar ao plenário do CNJ, para votação, o plano de trabalho para o Judiciário.

“O prazo de 30 dias fixado para a vigência e eficácia da lei é insuficiente e não é razoável, não é factível para que os tribunais possam promover as devidas adaptações e adequações” 

Dias Toffoli, ao comentar decisão de adiar prazo para criação do juiz de garantias

“Embora eu seja contra o juiz de garantias, é positiva a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender, por seis meses, a sua implementação” 

Sergio Moro, em publicação no Twitter sobre a decisão do presidente do STF

Decisão suspende aplicação em cortes superiores

A decisão que suspendeu por seis meses a aplicação da regra do juiz de garantias criou também exceções para a nova norma. Independentemente de prazo, a lei não será implementada em alguns casos, como em processos abertos com base na Lei Maria da Penha, em casos do Tribunal do Júri, que cuida de crimes contra a vida, e em ações criminais tramitando na Justiça Eleitoral. Segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, são processos nos quais a legislação e a tramitação são muito peculiares.

— É um procedimento mais dinâmico, apto a promover um pronto e rápido reparo, para que aquela violência, muitas vezes cotidiana, não se repita —afirmou Toffoli, referindo-se aos processos de violência doméstica e familiar.

Na mesma decisão, Toffoli suspendeu ainda por tempo indeterminado a aplicação da figura do juiz de garantias em processos de competência originária do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Entre esses processos em tramitação estão investigações contra autoridades com direto a foro especial.

Medidas de urgência

A Procuradoria-Geral da República (PGR) já tinha encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Toffoli, parecer contrário à aplicação do juiz de garantias em processos de violência doméstica. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), autora de uma das ações julgadas por Toffoli sobre o assunto, se manifestou no mesmo sentido.

Pela norma do juiz de garantias, haverá um magistrado para conduzir os processos e outro para julgar. No entanto, a regra veda a iniciativa do juiz na fase de investigação. Logo, ele não poderia aplicar medidas de urgência para garantir a proteção à pessoa ofendida, como prevê a Lei Maria da Penha.

Toffoli ainda criou uma espécie de transição para a aplicação da regra. Segundo a decisão, processos que já estiverem em curso quando a norma entrar em vigor não se adequarão à nova regra. Ou seja: a norma não terá efeito retroativo.