Correio Braziliense, n. 21424, 12/11/2021. Política, p. 2

Após revés no STF, Lira fala em transparência

Jorge Vasconcellos
Israel Medeiros


Depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter confirmado a liminar da ministra Rosa Weber, que suspendeu o pagamento das emendas do relator, apontadas pela oposição como um orçamento secreto do governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu um projeto para conferir transparência a esse procedimento.

"Decisão não se comenta, decisão se cumpre e se contesta. Há uma discussão, e ela é transversal a respeito desse assunto. Ela tem uma narrativa, e a nós só vai caber esclarecer mais ainda, com mais transparência, propondo o que pode ser possível, com um projeto de lei que altera a resolução zero um para ficar mais transparente", afirmou.

O deputado fez as declarações ontem, em Lisboa, depois de participar de um evento em comemoração aos 25 anos da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), promovido por políticos brasileiros.

Lira disse que o tema das emendas do relator foi politizado e pediu confiança para que os parlamentares esclareçam os pontos criticados. "Neste momento, em vez de se criticar o que tecnicamente não se conhece, é importante que se dê oportunidade ao Parlamento — que sempre foi aberto, que modifica a vida das pessoas com essas emendas — de explicar e de deixar esse debate mais claro, sem politizá-lo, como tudo que vem acontecendo no Brasil", frisou.

As emendas do relator, também chamadas RP9, foram incluídas no Orçamento em 2020 e têm sido usadas pelo governo como moeda de troca por apoio político no Congresso. Às vésperas da aprovação em primeiro turno da PEC dos Precatórios, com a qual o governo pretende viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, foram empenhados cerca de R$ 900 milhões dessas emendas como reserva para pagamento de obras, serviços e equipamentos em redutos eleitorais de parlamentares aliados.

O valor aprovado para este ano em RP9 é de R$ 16,8 bilhões. Até o momento, foram empenhados R$ 9 bilhões. Após a decisão do plenário do Supremo de manter a suspensão desses pagamentos, os parlamentares, agora discutem o que fazer com os recursos que não foram empenhados.

Outras opções

Além do projeto citado por Lira, há outras opções. Uma delas é alterar a classificação do dinheiro previsto nessa verba para uma outra dentro do Orçamento: a chamada RP2, que é o código de despesas do governo. Com isso, as verbas ficariam na mesma conta das que fazem parte do funcionamento normal da máquina pública. Nesse caso, não seria tornado público o valor negociado com parlamentares.

Apesar de ser um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro, Lira afirmou que seria um retrocesso deixar o comando das emendas só com o Executivo. Atualmente, as indicações são feitas por um seleto grupo de parlamentares aliados, com base em acertos informais e sem transparência na cúpula do Congresso.

"Se houver uma reversão, para o RP2, por exemplo, que volta para o comando do Executivo, aí, sim, nem a imprensa, nem os deputados, nem a população saberão da discricionariedade do Poder Executivo. Ele vai dar a quem ele quiser atender, com quanto ele quiser atender, quando quiser atender", argumentou Lira.

Para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, toda essa discussão não seria necessária se o governo cumprisse o que determina o artigo 86 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020.

Esse dispositivo diz o seguinte: "A execução orçamentária e financeira, no exercício de 2021, das transferências voluntárias de recursos da União, cujos créditos orçamentários não identifiquem nominalmente a localidade beneficiada, inclusive aquelas destinadas genericamente a Estado, fica condicionada à prévia divulgação em sítio eletrônico, pelo concedente, dos critérios de distribuição dos recursos, considerando os indicadores socioeconômicos da população beneficiada pela política pública".

Na avaliação de Castello Branco, "o importante é que se altere esse ataque, que se procure atuar na essência". "A essência é isso. É nós termos referenciais, parâmetros técnicos, parâmetros socioeconômicos, para orientar essas programações genéricas. Caso contrário, sempre vai depender de alguém alocando recursos, seja um parlamentar, seja um membro do Executivo."