O Estado de S. Paulo, n. 46557, 06/04/2021. Metrópole, p. A11

Até metade dos intubados por covid tem insuficiência renal e precisa de diálise

Paula Felix


Possível desdobramento em pessoas com covid-19 que evoluíram para quadros graves e foram intubadas, as lesões nos rins têm feito com que até metade desses pacientes apresente insuficiência renal e precise de diálise, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). No Hcor, o parque de equipamentos para o procedimento foi ampliado na pandemia para atender à demanda da Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

“Quem vai precisar fazer diálise faz intubado. Sabemos que 5% dos pacientes têm formas graves, que precisam intubar. Quando o quadro é muito grave, o paciente pode ter lesões renais e precisar de hemodiálise porque o rim para de funcionar”, diz Osvaldo Merege, presidente da SBN. Segundo ele, essa situação atinge até metade dos pacientes graves. “Em porcentagem, dos 5% que estão intubados, 2,5% estão precisando. Temos casos de hospitais fazendo diálise em 30%, 40% e até em metade dos intubados.”

O dano ao órgão pode ser causado por um evento grave que acomete algumas pessoas com a covid-19, a tempestade de citocinas, reação exacerbada do sistema imunológico que pode afetar o funcionamento de órgãos vitais e levar à morte. Sepse e a ação do vírus no órgão também podem estar ligadas a casos.

No fim de março do ano passado, o pediatra intensivista Nelson Horigoshi, de 65 anos, teve covid-19 após ir a um encontro de família. “Uma pessoa estava infectada. Seis pessoas pegaram e eu fui o único internado. E fiquei em estado grave. Fiquei intubado por dez dias e precisei fazer algumas sessões de hemodiálise. Quando meu rim começou a responder, consegui me livrar. Ao todo, foram 20 dias na UTI e 20 no quarto.”

Líder médica da Nefrologia do Hcor, Leda Lotaif diz que o hospital aumentou o parque de equipamentos já no ano passado por ter notado que havia casos de insuficiência renal relatados por outros países. Eram oito equipamentos, passou para dez, chegou a 15 e deve receber mais quatro nos próximos dias. Com a variante P.1, há uma percepção de que os casos passaram a ocorrer com mais frequência. “Não temos sequenciado esses pacientes, mas com a P.1, aparentemente, é uma doença mais grave, que evolui rapidamente e dá mais insuficiência renal. Tivemos um aumento de pacientes com necessidade de diálise e tem mais pacientes jovens, na casa dos 30 a 50 anos. Definitivamente é uma cepa mais grave.”

No hospital, segundo Leda, entre 35% e 40% dos pacientes em UTI necessitam fazer o procedimento. “Temos pacientes que já receberam alta e os que ficaram com alguma sequela no rim e vão ter de fazer acompanhamento com nefrologista. Os rins são órgãos vitais e as pessoas não têm tanta noção até o momento em que alguém na família passa a ter insuficiência renal. Eles mantêm o equilíbrio hídrico, são importantes para a saúde óssea e produzem hormônios que estimulam a medula óssea a produzir os glóbulos vermelhos. As pessoas devem se poupar de ter uma doença dessas.”

Imposto. A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) diz que as unidades que realizam diálise foram prejudicadas pela reforma tributária feita pela gestão estadual, que tirou a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para medicamentos e insumos. “A maioria das clínicas é privada, mas atende pacientes do SUS. Quando tem aumento do tributo, é repassado para clínica de diálise”, afirma o médico nefrologista Marcos Alexandre Vieira, presidente da ABCDT.

Segundo ele, o setor já vem sofrendo com aumentos durante a pandemia. “São medicamentos de alta tecnologia, existem soluções para filtrar o sangue e o maquinário. Só pelo aumento do dólar, está tendo aumento do preço dos produtos e ainda terá o tributo de 18%.” Vieira diz que a entidade tenta se reunir com o governo para reverter a situação.

Em nota, a Secretaria de Estado da Fazenda informou que pacientes atendidos pelo SUS não serão afetados pela medida. “As entidades que representam o setor de saúde particular foram recebidas em reuniões e ouvidas pelo governo nos últimos meses. A elas foi explicado de maneira clara e objetiva que a prioridade do governo, neste momento de pandemia, é garantir o atendimento gratuito à população mais carente. Importante lembrar que o ajuste é temporário, válido por 24 meses.”

Relato

“A parte cardiológica foi a que reverteu mais rápido. O pulmão demorou três meses para normalizar, mas tenho um pouco de fadiga até hoje. Tenho insônia e o rim demorou a melhorar. Este mês foi o primeiro que tive o exame do rim com resultado normal. É uma doença terrível.”

Nelson Horigoshi

Pediatra Intensivista

  • Além dos rins, órgãos dos sistemas respiratório, cardiovascular e nervoso podem ser afetados pelo vírus

Sistema nervoso

O novo coronavírus pode atingir os sistemas nervosos central e periférico. Em casos graves, a resposta hiperinflamatória sistêmica pode causar déficit cognitivo de longo prazo e dificuldade de memória. Também há casos de encefalopatia aguda, alterações de humor e disfunção neuromuscular

Pulmões

Durante a fase aguda da infecção, o dano aos órgãos causa edema, inchaço por acúmulo de líquido. Em casos graves, os pacientes podem apresentar fibrose pulmonar

Coração

Pacientes que evoluíram para formas graves apresentaram lesões significativas no músculo cardíaco, incluindo miocardite relacionada à infecção, com arritmias

Rins

O dano renal pode ser causado pela tempestade de citocinas, quando mediadores inflamatórios liberados em grande concentração na circulação sanguínea causam inflamação renal. Ou ainda pelo crosstalk de órgãos, uma "linha cruzada" do eixo pulmão-rim, na qual a síndrome respiratória aguda causada pelo covid ocasiona lesão do rim. Outras causas são sepse e efeito tóxico direto do vírus no órgão

Fontes: Leda Lotaif, Líder Médica da Nefrologia do Hcor; Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)