O Globo, n. 31572, 15/01/2020. Economia, p. 21

‘É consequência de não ter regra clara’

Entrevista: Luis Otávio Leal/ economista-chefe do Banco ABC Brasil


O segundo anúncio de reajuste do salário mínimo, feito ontem pelo presidente Jair Bolsonaro, é consequência da falta de uma regra clara de indexação por parte do governo, na avaliação de Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil. Para ele, a discussão sobre a concessão ou não do acumulado do INPC em 2019, de 4,48%, foi política, uma vez que o governo poderia conceder o reajuste na revisão orçamentária de 2021. Ele defende que haja uma regra clara de reajuste ou a unificação da organização do Orçamento e da inflação para o ano seguinte.

Como o senhor analisa a decisão sobre o salário mínimo?

É a consequência de não ter regra clara. A vantagem da regra anterior (inflação do ano anterior mais a variação do Produto Interno Bruto de dois anos antes), concordando com ela ou não, é que pelo menos era uma regra. Não havia uma discussão. É o debate no qual teremos de evoluir, dado que você tem de elaborar um Orçamento sem saber a inflação e tem que concedê la para o salário mínimo.

Havia alternativa?

O governo iria incorporar esse aumento, se não fosse agora, no ano que vem, assim como foi no anúncio de R$ 1.039 (quando foi concedido um reajuste de 3,86%, com base no INPC esperado para 2019. A conta foi feita sobre o salário mínimo ajustado de 2019, de R$ 999,91).

O aspecto político foi determinante?

É discussão política. Em termos orçamentários, o governo poderia, na revisão do Orçamento para 2021, incorporar o reajuste do INPC no Orçamento, e vida que segue, mas havia uma questão política. Você fecharia o ano com pessoas ganhando menos do que deveriam, e isso teria impacto no consumo. Mas também havia o lado fiscal.

O que pode ser feito?

É uma discussão difícil, mas que, no fim, será política. É importante salientar que o governo não iria roubar o trabalhador. Esse dinheiro teria de ser reposto uma hora. A discussão é sobre a necessidade de uma regra, algo para ficar um pouco mais fácil de organizar esses dois momentos: de elaboração do Orçamento do ano seguinte e da inflação (que indexa o reajuste). Uma alternativa pode ser não pegar o ano-calendário, mas o acumulado em 12 meses até outubro, ou novembro, para fechar o reajuste sem essa discussão.