O Globo, n. 31606, 18/02/2020. Opinião, p. 2

Coronavírus contamina a economia



Circule ou não no Brasil, o coronavírus atinge o país por meio da economia. A China, maior parceiro comercial brasileiro — compra 28% de tudo que é exportado —, terá seu crescimento reduzido este ano, por inevitável. Há estimativas diversas. O certo é que não deverá repetir os 6,1% do ano passado.

A evolução mais lenta do seu PIB, o segundo maior do mundo, implica algum arrefecimento nas importações chinesas. Muito da exportação da soja, por exemplo, já teria sido contratada quando a epidemia começou a ser noticiada, no final de janeiro/início de fevereiro, o que levou ao bloqueio de Wuhan e de outras cidades na província de Hubei. Mas, mesmo a depender de muitas variáveis, não se duvida de que a queda no consumo interno chinês e a redução dos negócios em geral afetarão o crescimento mundial.

Não se trata apenas da soja. A economia chinesa é mais de quatro vezes maior do que era 2002/3, na epidemia da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Importa mais e exporta mais. Por isso, linhas de montagem pelo mundo afora já começaram a enfrentar o problema da falta de componentes produzidos na China. As indústrias automobilística e de produtos eletrônicos em geral, por exemplo, são atingidas de forma mais direta.

Os mercados na Ásia subiram ontem, depois que o Banco Central chinês cortou a taxa de juros cobrada em uma linha de empréstimo interbancário de médio prazo, de US$ 28,6 bilhões. Medida clássica para se contrapor à redução do crescimento.

Enquanto isso, analistas passam a rever para baixo as estimativas de crescimento mundial. No domingo, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, disse que, “por enquanto”, a estimativa do Fundo de uma expansão de 3,3% pode ser cortada em 0,1 ou 0,2 ponto percentual. Porém, não quis tratar os números como projeções, mas “cenários”. A única certeza é que algum dano haverá, mas muito em função do tempo com que a China reabrirá fábricas e entrepostos.

Para o caso de o coronavírus circular no Brasil, o Ministério da Saúde, com sua estrutura de laboratórios, tem articulado uma coordenação com as secretarias estaduais para administrar o problema.

Mas é preciso pensar na economia, e os parlamentares também devem incluir em sua agenda esta questão. Em uma situação dessas, potencialmente grave, governo e Congresso têm de atuar de maneira coordenada. É o que exige este momento, em que a economia emite sinais ainda fracos de recuperação.

Uma resposta adequada às incertezas é o Planalto e o Congresso tratarem de ativar a tramitação das reformas. A administrativa estaria pronta para ser enviada. Há outras já no Legislativo.

As reverberações que a epidemia já provoca na economia global, com reflexos previsíveis no Brasil, precisam tirar o Executivo e o Legislativo da letargia.