Correio Braziliense, n. 21417, 05/11/2021. Política, p. 4

Bolsonaro acusa Moro de fazer chantagem

Luana Patriolino


O presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento à Polícia Federal sobre o inquérito que apura a suposta interferência do chefe do Planalto para blindar familiares e aliados de investigações. A oitiva foi realizada em Brasília, na noite da última quarta-feira (3), a poucos dias do fim do prazo judicial.

O depoimento ocorreu após determinação do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente respondeu às perguntas do delegado Leopoldo Soares Lacerda, da PF. Bolsonaro disse que não interferiu na PF e que trocou o então diretor-geral, Maurício Valeixo, no ano passado, por “falta de interlocução”.

No último dia 7, Moraes determinou à PF que ouvisse o chefe do Executivo em até 30 dias. A ordem foi dada após a Advocacia-geral da União (AGU), que representa o presidente, ter desistido de uma ação para que Bolsonaro se manifestasse por escrito. Com o depoimento colhido, a Polícia Federal deverá remeter os autos ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que deve decidir sobre uma eventual denúncia do presidente.

Além de mencionar desavenças com a direção-geral da Polícia Federal, Bolsonaro atacou Sergio Moro. Disse que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública teria condicionado aceitar o delegado Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal caso fosse indicado para o cargo de ministro do STF. “Ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal”, disse o presidente em depoimento.

Reunião ministerial

Jair Bolsonaro está na condição de investigado pelo caso que envolve supostas interferências na Polícia Federal. Uma das provas em análise no processo é o vídeo da reunião ministerial ocorrida no Palácio do Planalto em 22 de abril de 2020. No encontro, o chefe do Executivo disse que iria “intervir” na superintendência da corporação no Rio de Janeiro, para beneficiar familiares.

À época, o ministro aposentado Celso de Mello, do STF, retirou o sigilo e permitiu a divulgação do material. Nas imagens, Bolsonaro disse que não iria esperar que a família dele fosse prejudicada. Em outro trecho, o presidente enfatiza que os ministros deveriam concordar com as “bandeiras dele”. Uma das ideias é o armamento. O presidente disse querer armar toda a população para que as pessoas pudessem reagir ao que chamou de ditadura.

Moro contesta

O ex-ministro Sergio Moro se manifestou sobre as acusações do presidente Jair Bolsonaro de que teria exigido uma indicação ao Supremo para aceitar o nome do delegado Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal. Por meio de nota, o ex-juiz afirmou: “Jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF”. E completou: “Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como ministro”.

A defesa de Moro também ressaltou que foi surpreendida pela notícia de que o presidente da República prestou depoimento à autoridade policial “sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada oficialmente, com a devida antecedência”. Segundo o advogado Rodrigo Sánchez Rios, que defende o ex-juiz, isso impediu o comparecimento de Moro “a fim de formular questionamentos pertinentes, nos moldes do que ocorreu por ocasião do depoimento prestado pelo ex-ministro em maio do ano passado”.

Trechos do depoimento

Desentendimento na PF

“Falta de interlocução que havia entre o presidente da República e o diretor da Polícia Federal. Que não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falta de interlocução”.

Informações sigilosas

“Nunca teve como intenção, com a alteração da Direção Geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal”.

Indicação STF

“Ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal”.

Trocar a segurança para proteger a família

“Achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; Que portanto quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro referia-se a sua segurança pessoal e da sua família”.