Correio Braziliense, n. 21417, 05/11/2021. Política, p. 3

Ciro suspende candidatura

Raphael Felice


A ressaca da aprovação da PEC dos Precatórios repercutiu fortemente na oposição ao governo. No PT, em que 15 dos 21 deputados federais votaram “sim” pela aprovação da proposta, o maior cacique do partido, Ciro Gomes, fez críticas incisivas e anunciou que sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto está suspensa “até a bancada do partido reavaliar a situação”.

“Há momentos em que a vida nos traz surpresas fortemente negativas e nos coloca graves desafios. É o que sinto, neste momento, ao deparar-me com a decisão de parte substantiva da bancada do PDT de apoiar a famigerada PEC dos Precatórios”, protestou, em nota.

Ciro classificou como “farsa” a argumentação de que a proposta do governo é em defesa dos pobres. “Não podemos compactuar com a farsa e os erros bolsonaristas. Justiça social e defesa dos mais pobres não podem ser confundidas com corrupção, clientelismo grosseiro, erros administrativos graves, desvios de verbas, calotes, quebra de contratos e com abalos ao arcabouço constitucional”, acrescentou.

Diante da polêmica, o principal articulador da PEC, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), afirmou, em coletiva na Casa, que a cúpula do PDT estava ciente das negociações. No entanto, o presidente do PDT, Carlos Lupi, defendeu a posição, externada por Ciro há cerca de 15 dias, de que não há necessidade de aprovar a PEC para viabilizar o Auxílio Brasil. Conforme frisou, o país está numa fase de crescimento de receitas agrícolas, por conta da alta do dólar e da inflação, e aprovar a proposta era dar “um cheque em branco nas mãos do incompetente Bolsonaro”. Lupi ressaltou, ainda, que houve um erro do partido ao votar de forma favorável à proposta. Segundo ele, não houve um acordo dentro da bancada para viabilizar o texto.

“O deputado André Figueiredo (CE) foi designado pelo líder Wolney Queiroz (PE) para cuidar da votação. Ele tentou diminuir o impacto negativo da PEC, principalmente na questão da educação, mas com boa intenção. Quando chegou na hora da votação, eu liguei, mas ela já estava em curso, e a forma como o partido votou foi um erro”, admitiu. “Nós somos contra este governo e somos contra o que ele representa. Não podemos deixar o cheque em branco na mão de Bolsonaro. Então, Ciro tem uma linha de coerência. Ele é contra a PEC, fez um vídeo sobre o assunto. Como a bancada do partido em que ele é pré-candidato à Presidência votou a favor disso?”, questionou.

Lupi afirmou, também, que a sigla entrou na Justiça contra a aprovação da PEC, sob argumento central de que Lira não poderia ter autorizado a votação de parlamentares que estavam no exterior, uma vez que a decisão da Mesa Diretora da Câmara é de que propostas de emenda à Constituição só podem ser votadas presencialmente.

Políticos

A posição de Ciro provocou reações positivas entre nomes que podem influenciar as eleições de 2022. Entre eles, o pré-candidato pelo Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), que teve atuação destacada na CPI da Covid. O parlamentar elogiou a posição do político cearense. “Ciro Gomes adota a posição certa, compatível com o que se espera de quem está disposto a assumir a missão de resgatar nosso país”, postou numa rede social. “Estaremos prontos no Senado para fazer a nossa parte. Sensibilidade social exige responsabilidade fiscal. O orçamento secreto é o novo mensalão”, disparou.

Outro que elogiou a posição de Ciro foi o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi vice-presidente da CPI da Covid. Ele publicou que sua admiração pelo político do PDT foi “reforçada” e que é “inaceitável que algum parlamentar vote a favor de uma PEC que dá calote em professor e libera dinheiro para comprar deputado”.

Na avaliação do cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, este foi o melhor movimento de Ciro Gomes numa espécie de “pré-campanha” para as eleições de 2022. De acordo com o analista, o pré-candidato ao Planalto vinha conseguindo espaço na mídia apenas com críticas fortes ao ex-presidente Lula e a Bolsonaro. Com o episódio dos precatórios, conseguiu concentrar atenções com uma “agenda positiva”.

“Com essa pauta, Ciro encontrou uma boia de salvação. Ele voltou às manchetes, e o nome dele foi para a imprensa e para a sociedade, sem criticar Lula ou Bolsonaro, mas por uma pauta que envolve todo o país, como um propositor, o que é positivo para ele”, frisou. “E parece que o movimento funcionou. A PEC está sendo levada de forma pouco convencional por Lira. Partidos importantes que estiveram divididos na votação, como PSDB, MDB e PSD, estão discutindo internamente. Caso haja uma virada, Ciro pode dizer que deu início a esse movimento, que transcende o PDT. Mas caso essa posição se mostre errada, ele precisa manter o que disse. Não deve ser problema, pois Ciro não é político de um partido, já passou por várias siglas.”

Já o cientista político Antônio Testa fez duras críticas ao PDT e a Ciro. Para ele, devido às condições de brasileiros que passam fome, partidos que lutam pela causa social estão contrários a uma proposta benéfica ao povo por questões eleitoreiras.

“Ciro Gomes fez esse jogo de cena, mas ele é um dos caras que mais prejudica a si próprio. É um candidato que, dificilmente, vai crescer mais do que atingiu, porque é uma figura que não gera credibilidade”, criticou.

Frase

"Ciro Gomes adota a posição certa, compatível com o que se espera de quem está disposto a assumir a missão de resgatar nosso país. Estaremos prontos no Senado para fazer a nossa parte. Sensibilidade social exige responsabilidade fiscal. O orçamento secreto é o novo mensalão”

Alessandro Vieira (Cidadania-SE), senador

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