O Estado de S. Paulo, n. 46965, 19/05/2022. Economia & Negócios, p. B6

O barato que sai caro


 

Com o poder de compra afetado por uma inflação de 12,13% até abril, reajustes de 20% nas contas de luz e disparada de quase 50% nos preços de combustíveis, os brasileiros acabam de receber uma esmola do Congresso. Por 53 votos a 16, o Senado aprovou o retorno do despacho gratuito de bagagens na aviação comercial. O texto ainda deve passar novamente pela Câmara, mas a enganosa gratuidade das bagagens já havia recebido aval dos deputados. O relator, Carlos Viana (PL-MG), havia sido convencido a retirar o despacho gratuito do parecer que foi à votação, mas um destaque de Nelsinho Trad (PSD-MS) recebeu apoio da maioria dos colegas, expondo mais uma gritante falha de articulação política por parte do governo no Senado. O Ministério da Infraestrutura pretende encaminhar uma recomendação para que o dispositivo seja vetado, mas não será surpresa para ninguém se o candidato Jair Bolsonaro não quiser enfrentar este gesto de populismo do Legislativo.

Até 2017, o custo de despacho era diluído no preço das passagens aéreas. Na prática, um passageiro que viajasse portando apenas uma mochila subsidiava aquele que levasse malas pesadas. À época, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) criou um cronograma para que os brasileiros se acostumassem a uma regra em vigor na maioria do mundo, com raras exceções, como Venezuela e Coreia do Norte. Inicialmente avesso à medida, o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu que a cobrança havia sido precedida de estudos regulatórios consistentes e de ampla discussão, e tendia a ser favorável ao consumidor – o que é diferente de uma promessa de queda nos preços.

Agora, em mais um atropelo às prerrogativas das agências reguladoras, o Congresso proibiu “práticas abusivas” por parte das empresas aéreas, entre elas a cobrança de qualquer tipo de taxa por um volume de bagagem de até 23 quilos, em voos nacionais, e de até 30 quilos, em internacionais. Se a economia já não era capaz de atrair companhias com modelo de operação low cost – comuns nos Estados Unidos e Europa, com preços agressivos compensados pela cobrança adicional por qualquer extra –, a medida funcionará como uma porteira fechada a esses negócios.

A justificativa suprapartidária para a defesa da proposta mostra que deputados e senadores ignoram um conceito básico sobre o funcionamento da economia: é ilusório acreditar que exista algo gratuito. Assim, os consumidores vão ganhar um verdadeiro presente de grego. Caso o texto não seja vetado, todos terão que pagar mais para que poucos possam desfrutar de um desconto. Com esse incentivo negativo, quem viaja com pequenos volumes se sentirá à vontade para despachar bagagens maiores. Essa atitude resultará em maior consumo de combustível por parte das aeronaves – este sim o verdadeiro motivo para o avanço recente do valor das passagens. A exemplo da gasolina e do diesel, o preço do querosene de aviação é influenciado, sobretudo, pelas cotações de petróleo e pelo dólar, e representa cerca de 40% dos custos das empresas aéreas.