O Globo, n. 31566, 09/01/2020. Sociedade, p. 24

Ano de 2019 foi o 2º mais quente da História, indica centro europeu

Rafael Garcia


O primeiro compilado global de temperaturas divulgado sobre o ano de 2019, do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia, indica que o ano passado foi o segundo mais quente da História, em linha com a tendência apontada pelo aquecimento global.

Na série histórica de dados do serviço, que começa em 1979, o ano passado aparece como sendo 0,59° C mais quente em relação à média verificada entre 1981 e 2010, período de referência. O ano passado, marcado pela inação em relação ao problema da emissão de CO2, perde em anomalia de temperatura apenas para 2016, que foi 0,63°C mais quente do que a média.

As áreas do mundo que estiveram mais acima da média foram o Ártico, especialmente no Alasca, e o Leste Europeu. O interior do Brasil também esteve um pouco acima da média, especialmente no fim do ano, e em dezembro foi a vez da Austrália, que sofre incêndios florestais devastadores, segundo o boletim do C3S.

A Europa, especificamente, registrou o ano mais quente da História. No planeta como um todo, os últimos cinco anos foram os mais quentes já registrados. A década que se encerra em 2020 deve terminar com o triste título de mais quente também.

A série temporal do C3S é ligeiramente diferente da de outros grandes bancos de dados, como os da Nasa, da Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA) e do Centro Hadley, do Reino Unido. Estes dois serviços ainda não compilaram o ano de 2019 — falta o mês de dezembro —, mas dados parciais também apontam para o ano passado como extremamente quente.

Se a tendência se confirmar, para a Noaa o ano de 2019 terá sido o segundo mais quente da história. Já para o Hadley, será o terceiro. Esses dois serviços têm série histórica mais longa, que inicia no meio do século XIX. Jean-Noël Thépaut, diretor do Copernicus, diz que as diferenças são irrisórias.

— Esses conjuntos de dados da Noaa e do Centro Hadley não cobrem o Ártico e a Antártica, mas são muito precisos coletados

e fazem este trabalho há muito tempo — explicou o cientista ao GLOBO. — Parte da explicação para a diferença é que alguns dados sobre aquecimento que recebemos veio dos polos, e, como os outros dois conjuntos de dados não cobrem essas áreas, há mesmo pequenas assimetrias.

Em comunicado à imprensa, Carlo Buontempo, chefe do C3S, gabou-se de ter conseguido bater a Noaa e o Hadley em produzir um retrato completo das temperaturas de 2019 mais rapidamente. “Isso foi possível porque somos um programa operacional, processando milhões de observações terrestres, marinhas, aéreas e de satélite diariamente”, afirmou. “Um modelo computacional de última geração é usado para agrupar todas essas observações, da mesma forma com que se produz a previsão do tempo.”

Calor tangível

Todos os bancos de dados de temperaturas globais apontam que o planeta já está mais de 1°C acima do nível verificado antes da Revolução Industrial. A meta do Acordo do Clima de Paris é impedir um aquecimento acima de 2°C, considerado “perigoso”.

Enquanto as temperaturas sobem, as concentrações atmosféricas de CO2 também continuaram se elevando em 2019, atingindo seus níveis mais altos já registrados.

A ONU anunciou, no ano passado, que as emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem precisavam cair 7,6% a cada ano até 2030, a fim de limitar o aumento da temperatura para 1,5°C, nível considerado mais seguro, mas a liberação de poluentes continua aumentando.

As promessas atuais dos países de reduzir suas emissões, no entanto, são insuficientes e colocam a Terra numa rota de aquecimento de 4°C a 6°C até o final do século. Os cientistas alertam que catástrofes climáticas serão mais frequentes e mais intensas à medida que as temperaturas subirem.

O aumento da temperatura média do globo, apesar de afetar o sistema climático, normalmente é difícil de notar para uma pessoa, porque trata-se de uma diferença da ordem de 1°C. Segundo Thépaut, porém, como o aquecimento global também se manifesta na forma de um aumento no número de eventos climáticos extremos, as ondas de calor estão tornando a mudança climática mais perceptível.

— O que vimos, especialmente em 2019, é que muitos recordes de temperatura foram quebrados não por 1°C, mas por 2°C ou 3°C, e isso é bem tangível — diz Thépaut. — Eu estava em Paris quando tivemos uma quebra de recorde no último verão, e realmente me senti como se estivesse num forno.