O Globo, n. 31607, 19/02/2020. Economia, p. 28

Efeito de epidemia na Apple derruba Bolsas e renova recorde do dólar

Gabriel Martins


O novo coronavírus voltou a provocar quedas em Bolsas de todo o mundo ontem, depois de a americana Apple admitir que não conseguirá cumprir suas metas de receitas no primeiro trimestre devido à escassez de peças chinesas para a fabricação de iPhones e à queda na demanda por causa da epidemia. No Brasil, o índice Ibovespa, referência da B3, fechou com desvalorização de 0,29%, aos 114.977 pontos, após recuar mais de 1% na véspera. No câmbio, o dólar comercial fechou em alta de 0,64%, a R$ 4,356, a maior cotação já registrada.

O pessimismo da Apple sobre os impactos do coronavírus fez com que a Bolsa de Hong Kong encerrasse com perdas de 1,54%. Já o índice CSI300, que reúne as maiores companhias listadas nas Bolsas de Xangai e Shenzhen, recuou 0,49%.

Na Europa, o índice FTSE, da Bolsa de Londres, terminou o pregão com recuo de 0,69%. Em Paris, o CAC 40 perdeu 0,48%, enquanto o DAX, de Frankfurt, caiu 0,75%. Em Wall Street, que voltou aos negócios ontem após o feriado do Dia do Presidente, os índices Dow Jones e S&P 500 (mais amplo) caíram, respectivamente, 0,56% e 0,29%. Já a Bolsa eletrônica Nasdaq conseguiu terminar o dia estável.

— Antes, as discussões sobre o impacto da doença na economia eram baseadas em um cenário de projeções e possibilidades. Agora, com a recente declaração da Apple, é possível começar a ter uma noção um pouco mais clara de como o coronavírus vai afetar a atividade econômica da China e do mundo — afirmou Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho.

As ações da Apple caíram 1,83%, o que resultou em uma perda de US$ 26 bilhões (R$ 113,1 bilhões) em seu valor de mercado num único pregão. O montante equivale a mais de duas vezes a capitalização das Lojas Renner.

Fala de diretor do BC pesa

Mesmo com o recuo, a Apple ainda vale US$ 1,39 trilhão na Bolsa, ficando atrás apenas da petrolífera saudita Saudi Aramco (US$ 1,77 trilhão) e da Microsoft (US$ 1,42 trilhão) no ranking de companhias mais valiosas do mundo.

— Talvez este seja o sinal de alerta. Mas eu ficaria surpreso se a Apple fosse a única. Toda a cadeia de fornecimento eletrônicos passa pela China em grande escala — observou Stacy Rasgon, analista da corretora Bernstein.

A concessão de isenções tarifárias por parte da China a 696 produtos dos EUA — parte dos compromissos assumidos no acordo comercial preliminar entre Pequim e Washington — não foi capaz de conter o pessimismo nos mercados.

— O alertada Apple é apenas o primeiro de vários que serão divulgados por empresas americanas nas próximas semanas. Além de grande fornecedor, a China também é um enorme mercado consumidor, e os transtornos provocados pela epidemia devem afetar os resultados das principais empresas globais — explicou Rafael Bevilacqua, da Levante Investimentos.

Além da aversão arisco elevada por causado coronavírus, aumentou a pressão sobre o câmbio local uma declaração do diretor de Política Monetária do Banco Central, Fabio Kanczuk. A uma plateia de investidores, ele ressaltou que o câmbio no país é flutuante e que a autoridade monetária não impõe qualquer nível para a cotação da moeda americana. A fala foi interpretada por parte do mercado como a indicação de que o BC não quer elevar sua intervenção no dólar.

— O câmbio vai para onde tiver que ir — disse Kanczuk, em evento do banco BTG Pactual em São Paulo.

Ele afirmou ainda que o dólar mais valorizado se deve à queda dos juros e não coloca em risco o crescimento econômico do país.

Na Bolsa brasileira, o destaque negativo foi a Vale, cujas ações caíram 1,14% com os temores crescentes sobre o impacto da epidemia do coronavírus na economia.

A queda do Ibovespa só não foi maior por causa das altas da Petrobras (1,33%, o papel preferencial, sem voto) e da Eletrobras, que saltou 5,23% após o secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, dizer que o modelo de privatização da empresa deve sair nos próximos dias.

As ações da Marfrig avançaram 7,34% com a expectativa sobre a divulgação, hoje, do seu balanço.