O Globo, n. 31438, 03/09/2019. Sociedade, p. 26

Fogo ‘invisível’ consome Amazônia por até 30 anos, dizem estudos
Ana Lucia Azevedo


As áreas de Floresta Amazônica atingidas pelo fogo sofrem seus efeitos por ao menos 30 anos depois de uma queimada, mostram estudos. Trabalhos no Pará do grupo da ecóloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, ambas no Reino Unido, revelam que, após três décadas, as matas afetadas ainda têm 25% amenos de biomas saque uma floresta não queimada.

O verde volta. Mas não o original. A floresta se torna mais clara e seca. A vegetação muda e se torna menos diversa. A fauna acompanha. A selva empobrece.

— O fato de ficar verde de novo não significa que a floresta se regenerou. E pode levar décadas, talvez séculos, para recuperara biodiversidade — afirma ela.

Nem todo verde tem o mesmo valor, e o que reaparece depois da queimada em nada se parece à selva original. Em seu lugar nasce um embrenhado de cipós, vegetação rasteira e árvores menos nobres, de crescimento rápido. Exemplo é a embaúba. Ela não é frequente em florestas originais, mas sua ocorrência aumenta 37.000% em matas queimadas.

É por isso que, quando o fogo escapa da área de desmatamento e entra na floresta virgem, a chamada mata em pé, o problema toma outra dimensão. As primeiras a morrer são as árvores menores e finas. Mas um tronco grande pode queimar por dias e realimentar o fogo. As gigantes da Amazônia que sustentam todo o ecossistema permanecem de pé e entram em lenta agonia, como pessoas com queimaduras graves. Podem levar até três anos para morrer.

A mortalidade pode chegara 50% das grandes árvores, principalmente as gigantes da selva, como as massarandubas, os breus e as samaúmas, que ultrapassam os 30 metros de altura.

E uma gigante nunca morre só. Quando tomba, abre uma clareira, matando as árvores menores em seu caminho. A luz transforma a mata úmida e escura, lhe rouba o escudo de sombra e umidade, que fomenta a vida de uma miríade de seres vivos, de mamíferos e aves, a fungos e micro-organismos do solo. Tudo muda.

Muitas vezes os gigantes da Amazônia se tornam mortos em pé. Perdemos galhos, alguns tão grandes que também abrem clareiras. Mortos, deixam de cumprir as funções ecológicas que sustentam a teia de vida que faz da Amazônia o mais biodiverso ecossistema terrestre do planeta, com até 20% de todas as espécies de seres vivos.

— Nossa preocupação é enorme porque sabemos que a queimada tem efeitos duradouros e estamos só no início do problema. Tenho medo do que acontecerá quando outubro chegar no Pará. O mês costuma ser o último e o mais quente da estação seca nessa parte da Amazônia e o pior em queimadas — destaca ela.

Ciclo de vulnerabilidade

Berenguer observa que há impacto também nas emissões de CO2. Ela diz que quando um hectare de floresta, área do tamanho de um campo de futebol, é queimada, cerca de 300 toneladas de carbono são liberadas. Isso é equivalente à emissão de um carro que dê 61 voltas em torno do planeta.

O fogo não faz parte da história natural da Amazônia. Pertence àquela escrita pelo homem. E ele jamais foi uma pressão na floresta úmida, que não evoluiu para se adaptar a ele, caso do cerra dono Brasil e de florestas nos EUA e Europa. É por isso, explica a cientista, que uma vez queimada, a floresta se torna mais sensível a outros incêndios. A entrada demais luz evento torna a floresta mais seca e gera um ciclo vicioso de vulnerabilidade a incêndios.

“O fato de ficar verde de novo não significa que a floresta se regenerou. E pode levar décadas, talvez séculos, para recuperar a  biodiversidade”

Erika Berenguer, ecóloga