Correio Braziliense, n. 21415, 03/11/2021. Ciencia & Saúde, p. 12

Acordos para reduzir metano e desmatamento



Dois pactos firmados por mais de 100 países buscam impulsionar as negociações em torno de temas delicados da conferência do clima, em Glasgow. Ontem, os governos, incluindo o brasileiro, se comprometeram a, até 2030, reduzir em 30% as emissões de metano, um dos gases mais poluentes, e acabar com o desmatamento. Ambos os acordos não estão legalmente vinculados nem fazem parte da agenda oficial da COP26, são criticados por especialistas ambientais, mas considerados pequenos avanços diante da expectativa de que a cúpula termine sem progressos significativos.

A própria adesão ao pacto de redução da emissão do metano é um dos sinais de alerta. Em setembro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu que líderes mundiais se unissem ao seu país e à União Europeia no propósito de reduzir o lançamento do gás responsável por cerca de 25% do aquecimento global desde a revolução industrial, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). À época, 31 países anunciaram a intenção de participar do Compromisso Global do Metano. Pressões por parte dos idealizadores da medida antes da conferência do clima — o governo brasileiro foi um dos alvos (leia mais na página 7) — levaram ao aumento da adesão.

Ainda assim, os adeptos representam pouco mais de 40% das emissões mundiais de metano. “O anúncio não alcança a redução de 45% que, segundo a ONU, é necessária para manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC”, lamentou Murray Worthy, responsável pela ONG Global Witness. O encontro foi marcado pelas ausências da China, da Índia e da Rússia — três dos cinco maiores emissores do planeta. Os russos são expressivos na extração de metano, com uma porcentagem alta de vazamentos em gasodutos de distribuição para a Europa, segundo especialistas.

Esse gás tem um efeito estufa 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO2). De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), 40% das emissões globais de metano vêm de fontes naturais, principalmente dos pântanos. Os 60% restantes estão ligados a atividades humanas, como a pecuária (o gás é produzido durante o processo de digestão dos ruminantes) e as indústrias de petróleo, gás e carvão. A expectativa é de que, se as emissões forem reduzidas em 30% nesta década, será possível limitar o aquecimento em pelo menos 0,2ºC até meados do século.

Grande produtor global de carne, a Argentina juntou-se à promessa, enfatizando “o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. “A contribuição da nossa agrobioindústria para a segurança alimentar mundial não deve ser excluída das negociações climáticas para não gerar novas formas de protecionismo”, disse o presidente Alberto Fernández. Ele também defendeu que parte da dívida externa de seu país seja vinculada “aos investimentos imprescindíveis em infraestrutura verde de que a Argentina precisa”. Proposta semelhante foi apresentada, no dia anterior, pelo colega do Equador, Guillermo Lasso. Ontem, o país assinou com Colômbia, Costa Rica e Panamá o acordo que amplia a área da reserva marinha em quase a metade do seu tamanho atual.

Florestas

Na aliança contra o desmatamento, países que representam 85% das florestas do mundo — entre eles, Brasil, China, Rússia, Indonésia e República Democrática do Congo — se comprometeram a deter e reverter o desmatamento e a degradação do solo. As medidas devem apoiar atividades em nações em desenvolvimento, como a restauração de terras degradadas, o combate a incêndios florestais e a defesa dos direitos das comunidades indígenas, e serão apoiadas por um fundo de US$ 12 bilhões de dinheiro público contribuído por 12 países entre 2021 e 2025, além de US$ 7,2 bilhões de investimento privado por mais de 30 instituições financeiras globais.

Para grupos ambientalistas, estabelecer o fim do desmatamento em 2030 é “tarde demais”. O Greenpeace chamou o pacto de “luz verde para mais uma década de destruição florestal”. Segundo a ONG Global Forest Watch, somente em 2020, mesmo com a desaceleração econômica em função da pandemia da covid-19, a destruição de florestas primárias aumentou 12% em relação ao ano anterior. O Brasil, berço da maior floresta tropical do planeta, teve 9,5% de aumento nas emissões de gases de efeito estufa.

Cancelada no ano passado devido à crise sanitária, a COP26 tem a missão de desenvolver o Acordo de Paris de 2015, que tem como principal objetivo limitar o aquecimento global a mais 1,5ºC. No entanto, as negociações são anunciadas complicadas. “Ainda resta um longo caminho a percorrer”, alertou o primeiro-ministro britânico e anfitrião da conferência, Boris Johnson, declarando-se “prudentemente otimista” quanto à próxima etapa da conferência, quando os líderes começam a abandonar Glasgow e passam o bastão para os negociadores.

Frase

“O anúncio não alcança a redução de 45% (de emissão de metano) que, segundo a ONU, é necessária para manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC”

Murray Worthy, responsável pela ONG Global Witness

"(É uma) luz verde para mais uma década de destruição florestal”

Greenpeace, em nota