O Globo, n. 31565, 08/01/2020. Mundo, p. 23

Guaidó fura cerco e se proclama presidente do Parlamento

Marina Gonçalves


O líder opositor Juan Guiadó foi novamente barrado na entrada da Assembleia Nacional (AN) da Venezuela ontem, mas conseguiu furar o cerco das forças de segurança e entrar com uma comitiva de deputados opositores após cerca de 30 minutos de confronto. Assim que Guaidó começou a entoar o Hino Nacional, após reivindicar o cargo de presidente do Legislativo, a luz foi cortada e o Congresso ficou às escuras. Nesse momento, vários deputados iluminaram o salão com a lanterna dos seus celulares.

No domingo, Guaidó havia sido impedido de entrar no local e teve que pular o muro, após a polêmica eleição do novo presidente da AN, Luis Parra, um opositor dissidente nomeado apenas com a presença da bancada minoritária do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e aliados.

— Entrar aqui foi um feito — disse Guaidó de sua cadeira, enquanto alguns parlamentares da oposição permaneciam nos arredores do plenário, bloqueados pelas forças de segurança. —Eu juro!

Jornalistas agredidos

Parra, acusado por opositores de ser cúmplice de Nicolás Maduro, deixou a Assembleia com outros políticos governistas assim que Guaidó entrou. Antes, ele presidira uma breve sessão, sem quórum mínimo.

Do lado de fora, jornalistas chegaram a ser agredidos pelas forças de segurança. Ao sair, Guaidó e outros deputados também foram atingidos por gás lacrimogêneo.

Phil Gunson, consultor do International Crisis Group baseado em Caracas, lembra que Maduro já vinha dado mostras nas últimas semanas de que faria “o que fosse preciso” para impedir que Guaidó mantivesse o controle do Parlamento. Mas, ainda assim, a resposta muito dura foi uma surpresa:

— O governo vinha tentando, com ameaças e subornos, mostrar que Guaidó havia perdido o apoio necessário para se reeleger para o comando Legislativo. Como a tática não funcionou, deu uma simples demonstração de força, o que só fortalece a ala mais radical da oposição, que agora volta a se alinhar a Guaidó — afirmou ao GLOBO. —Mas, se formalmente Guaidó tem mais apoio, interna e externamente, é um apoio que depende de como se desenvolverão os fatos a partir de agora. Ele continua sem a força militar e o controle das instituições.

Com a demonstração de força, Maduro também reforça que está mais empenhado do que nunca em se manter no poder.

— Maduro conseguiu manter-se no poder por um ano, e de certa forma estabilizar a indústria petroleira. Os militares também se mantêm leais a ele e não há indícios de que o governo vá entrar em colapso. E a crise humanitária sem precedentes, com a fuga de dezenas de milhares de pessoas, reduz a pressão política e social interna — diz Gunson.

— Por outro lado, a cada vez que usa a força contra Guaidó, Maduro põe mais em evidência o fato de que não tem os votos necessários para tirá-lo dali.

Os analistas acreditam que a estratégia do governo agora será a de deslegitimar a AN, para convocar novas eleições parlamentares o quanto antes. Nas eleições anteriores, em 2015, a oposição conquistou a maioria no Legislativo.