O Globo, n. 31607, 19/02/2020. País, p. 6

Morte de Adriano da Nóbrega: nova perícia

Daniel Gullino
Carolina Heringer
Marcos Nunes


O presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido RJ), levantaram suspeitas sobre a apuração das circunstâncias da morte do ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega. O presidente afirmou, ontem, que tomou “providências legais” para que seja realizada uma perícia independente. Insinuou, ainda, que o conteúdo de seus celulares apreendidos podem ser adulterados para prejudicá-lo, sem dar explicar elementos para a suspeita. Já Flávio questionou o fato de a perícia não confirmar se Adriano foi torturado ou não antes de morrer. O ex-capitão é acusado de participar da milícia de Rio das Pedras e de comandar um grupo de assassinos de aluguel, além de participar do esquema do suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio.

Também ontem, a Justiça da Bahia atendeu a um pedido do Ministério Público do estado e determinou um novo exame no corpo de Adriano. Os promotores querem determinar a distância aproximada entre os atiradores e o ex-capitão, a trajetória dos projéteis no interior do corpo e o calibre das armas usadas. As questões levantadas pelo MP-BA não foram respondidas na primeira necrópsia, feita ainda no Instituto Médico Legal (IML) de Alagoinhas (BA). O miliciano morreu na cidade vizinha de Esplanada. A família do ex-capitão também entrou com um pedido na Justiça baiana pedindo uma nova necrópsia por um perito particular, mas ainda não houve decisão. No documento, a Justiça da Bahia pede que o corpo de Adriano não seja cremado. Além disso, foi requisitado à Secretaria de Segurança Pública da Bahia as gravações dos rádios transmissores utilizados pelos agentes policiais no dia da operação e análises nas munições da pistola encontrada com o ex-PM.

Ao defender uma perícia independente no caso, Bolsonaro disse que, sem essa medida, não é possível solucionar diversos casos, dando como exemplo o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

— Já tomei as providências legais para que seja feita uma perícia independente. Sem isso, você não tem como buscar, até quem sabe, quem matou a Marielle. A quem interessa não desvendar a morte da Marielle? Aos mesmos que não se interessam em desvendar o caso Celso Daniel — disse Bolsonaro, referindo-se ao ex-prefeito de Santo André (SP) pelo PT que foi morto em 2002.

Sem explicar quais medidas teria tomado, o presidente ainda defendeu uma “perícia insuspeita” nos celulares que estavam com Adriano. Bolsonaro argumentou que “áudios e conversas inexistentes” podem ser inseridos nos aparelhos e levantou a hipótese de ele mesmo se tornar vítima de uma armação:

— O que é mais grave. Vai ser feita perícia nos telefones, ou no telefone apreendido com ele. Será que essa perícia poderá ser insuspeita? Porque nós não queremos que sejam inseridos áudios no telefone dele ou inseridas conversações no WhatsApp. É só isso. Porque depois que se faz uma perícia, se por ventura, vamos deixar bem claro, por ventura, não estou afirmando, uma pessoa for atingida, pode ser eu, pode ser eu.

Bolsonaro sugeriu também que não foi dada a Adriano uma chance para se render. No sábado, o presidente já havia questionado a atuação da “PM da Bahia, do PT”, o que levou 20 governadores a elaborarem uma carta, divulgada na segunda-feira, em repúdio às insinuações de que se tratou de uma “queima de arquivo”. Ontem, os governadores do Rio, Wilson Witzel (PSC), de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), pediram uma trégua e a abertura de diálogo a Bolsonaro.

Flávio divulga vídeo

As circunstâncias da morte de Adriano também foram questionadas pelo senador Flávio Bolsonaro. Em uma rede social, o filho do presidente publicou um vídeo que seria do cadáver do ex-capitão. O corpo aparece de costas e, em determinado momento, é filmada a etiqueta com a identificação do corpo utilizada pela perícia baiana. Flávio afirmou que o cadáver tinha vários sinais de tortura.

As autoridades baianas rebateram as acusações. O diretor do Instituto Médico Legal do estado, Mário Câmara, negou, em nota, que haja sinais de agressão no corpo do ex-PM. “Há sinais sim, pela angulação dos projéteis, de um confronto com a polícia. Agora é preciso complementar com outros laudos. Filmagens que estão aparecendo, não são técnicas, são argumentações de leigos que nos ofendem bastante”.

Já o secretário de Segurança da Bahia, Maurício Barbosa, afirmou que o vídeo divulgado por Flávio não foi feito no IML estadual. “Então nós temos a clara convicção de que isso é para trazer algum tipo de dúvida a um trabalho que ainda não foi concluído”, afirmou.

“Eu quero uma perícia insuspeita. Porque nós não queremos que sejam inseridos áudios no telefone dele ou inseridas conversações no WhatsApp.” — Jair Bolsonaro.

Celulares apreendidos são periciados no Rio

Treze telefones celulares e sete chips apreendidos com o miliciano e ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, no último dia 9, no município de Esplanada, no Norte da Bahia, já estão em poder de promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão em Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio. O material que passará por uma perícia foi enviado pela Secretaria de Segurança baiana, no dia 11 de fevereiro.

O resultado da perícia vai revelar com quem o ex-PM conversou nos últimos dias que antecederam sua morte e pode esclarecer se o ex-capitão contava com alguma rede de proteção que o ajudou circular, por quase três anos, entre os estados da Bahia e de Sergipe. A Polícia Civil do Rio praticamente não tem conversas grampeadas do miliciano, já que, para não ser rastreado, Adriano costumava usar a rede wi-fi para fazer ligações, além de trocar constantemente de chip.

O material apreendido pode ajudar investigações do MP do Rio em curso, entre elas a Operação Intocáveis, deflagrada pelo Gaeco com o objetivo prender acusados de integrar milícias na capital. Adriano era o único dos 13 alvos da operação, desencadeada em 22 de janeiro do ano passado, que estava foragido. Ele era apontado como chefe de um grupo de matadores de aluguel e de esquemas de agiotagem, grilagem de terras e venda de imóveis ilegais na Zona Oeste carioca.

Outra investigação que pode receber informações é a que apura a suspeita de “rachadinha”, como é conhecida a prática de embolsar salários de assessores, no gabiente do hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A mãe e a ex-mulher de Adriano, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa, respectivamente, trabalharam no gabinete de Flávio. Acusadas pelo MP de participar do suposto esquema, Raimunda e Danielle teriam transferido R$ 203 mil a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador.