O Globo, n. 31565, 08/01/2020. País, p. 8

AGU é contra feriado do Dia da Consciência Negra em SP

André de Souza


Em um parecer enviado no fim de dezembro de 2019 ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou contra a possibilidade de os municípios e estados instituírem o feriado do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. Para a AGU, apenas a União, ou seja, o Congresso e o governo federal, pode oficializar a comemoração, uma vez que a criação de feriados mexe nas relações de trabalho e, segundo a Constituição, apenas a União pode legislar sobre direito trabalhista.

O parecer foi apresentado em uma ação na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) pede que seja declarado constitucional o feriado no município de São Paulo. A confederação acionou o STF em novembro em razão de uma decisão da Justiça paulista determinando que os empregados das indústrias paulistanas não se submetessem mais ao feriado do Dia da Consciência Negra.

Não há data para que o STF julgue a ação. O caso não afeta outros estados e municípios onde o feriado já existe, mas, se a Corte entender que apenas a União pode criar feriados, abrirá precedente para que leis municipais e estaduais que instituíram a data comemorativa sejam contestadas na Justiça futuramente.

Várias outras cidades do país, inclusive o Rio, também têm o feriado. A data é aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo formado no Brasil. Os quilombos reuniam escravos que fugiam do trabalho forçado. “O feriado instituído pelo município de São Paulo interfere nas relações empregatícias reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452/ 1943), sendo que o valor histórico e cultural da data não constitui argumento apto a justificar invasão da competência privativa da União para dispor sobre feriados”, afirma um trecho do parecer.

Regras e exeções

A AGU lembrou ainda que “a criação de feriados ocasiona reflexos nas relações de trabalho, em razão da obrigatoriedade, em regra, do pagamento em dobro da retribuição devida pela atividade eventualmente exercida nos dias de feriados civis e religiosos”. Destacou também que há algumas exceções em que é possível estados e municípios criarem feriados, mas o Dia da Consciência Negra não estaria entre elas.

Entre as exceções permitidas por uma lei federal de 1995 estão as chamadas datas magnas dos estados, ou seja, datas consideradas importantes que costumam remeter a marcos da história local, como revoluções. Cada estado pode fixar apenas uma data magna. Em relação aos municípios, existem duas exceções. Podem decretar até quatro feriados religiosos, dentre os quais um deles deve ser a Sexta-Feira da Paixão.

Também podem instituir como feriados civis “os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do município”.

Segundo levantamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de novembro do ano passado, o Dia da Consciência Negra é feriado em mais de 1.200 cidades brasileiras, seja por meio de lei municipal ou estadual. No Rio de Janeiro, é feriado em todos os 92 municípios graças a uma lei estadual aprovada em 2002.

A AGU atua em nome da União e tem seu titular indicado pelo presidente da República. O atual advogado-geral é o ministro é André
Mendonça, mas quem assinou o parecer foi o advogado-geral da União substituto, Renato de Lima França, e outros dois servidores do órgão.

No documento, a AGU também alegou questões técnicas para se posicionar contra o pedido da CNTM. Destacou, por exemplo, a falta de um documento no processo e citou também que a confederação congrega várias categorias profissionais, e não apenas metalúrgicos. Segundo a AGU, para ter legitimidade para apresentar uma ação no STF, é preciso ser uma entidade de uma classe específica.