O Globo, n. 31608, 20/02/2020. País, p. 6

Com trator, Cid Gomes confronta PMs e é baleado

Dimitrius Dantas
Gustavo Schmitt
Sérgio Roxo


O senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado ontem com dois tiros de arma de fogo durante um protesto de policiais que reivindicavam aumento salarial em Sobral, no interior do Ceará, de acordo com informações da assessoria do exgovernador e do Hospital do Coração de Sobral, onde Cid foi internado. Quando foi atingido, o senador, que está licenciado do cargo desde dezembro, pilotava uma retroescavadeira e tentava furar um bloqueio feito por policiais encapuzados no 3º Batalhão da Polícia Militar do município cearense.

À TV Globo, o hospital informou que Cid foi atingido na clavícula e no pulmão esquerdo. Um boletim médico divulgado na noite de ontem informou que o senador tem “boa evolução clínica”, está “lúcido” e respira “sem auxílio de aparelhos”. O parlamentar foi submetido a uma tomografia, que não constatou danos graves.

Segundo a prefeitura de Sobral, o senador foi atingido por munição de uma pistola calibre .40. Cid foi ferido ainda por estilhaços de vidro da retroescavadeira usada por ele para atingir os manifestantes. Nas redes sociais, vídeos mostram o senador consciente e com manchas de sangue no rosto e na camisa após ser atingido pelos disparos.

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará informou que o Núcleo de Homicídios da Delegacia Regional de Sobral da Polícia Civil do Estado do Ceará investiga o crime. Segundo a nota, a Polícia Federal e a Polícia Civil vão atuar em conjunto e uma equipe do Grupo de Pronta Intervenção (GPI) da PF irá para Sobral. O Ministério da Justiça informou que, mesmo com Cid licenciado do Senado, a PF deve ser o órgão que conduzirá a investigação do caso.

O ex-ministro Ciro Gomes afirmou ontem no Twitter que seu irmão não corre risco de morte, foi atingido por “dois tiros de arma de fogo” e que os disparos “não atingiram órgãos vitais apesar de terem mirado seu peito esquerdo”. Ciro também pediu que as autoridades identifiquem os responsáveis pelos disparos. “Espero serenamente, embora cheio de revolta, que as autoridades responsáveis apresentem prontamente os marginais que tentaram este homicídio bárbaro às penas da lei”, declarou.

Força Nacional

Os policiais e bombeiros militares tentam aumento de salário desde dezembro do ano passado. O governo do estado, comandado por Camilo Santana (PT), anunciou um pacote de reajuste no fim de janeiro deste ano, que foi rechaçado pelas duas categorias. Depois de mais uma oferta de aumento, os policiais decidiram recusar o aumento como e passaram a organizar atos pelo estado. Ontem, batalhões da PM chegaram a ser atacados por homens encapuzados.

Diante da crise de segurança, o ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou o envio da Força Nacional. A tropa deve chegar hoje ao Ceará e ficará no estado por 30 dias. Moro foi acionado ontem pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que também procurou Camilo Santana para tratar do episódio. Alcolumbre pediu informações sobre a situação do parlamentar e cobrou que a segurança de Cid Gomes fosse garantida.

Antes de Cid ser atingido, o senador fez uma postagem em suas redes sociais para pedir apoio da população de Sobral contra a manifestação dos policiais grevistas. “Eu vim aqui defender a paz e a tranquilidade do povo de Sobral. Ninguém será chantageado, ninguém deixará de trabalhar, de abrir suas portas e caminhar com tranquilidade em Sobral. Uma coisa é se amotinarem em um local, outra são os próprios que deveriam defender a paz e a tranquilidade serem eles próprios os incitadores da violência. Eu tô aqui desarmado, e vou enfrentar quem armado estiver, sob o custo da minha vida. Mas ninguém vai fazer o que esses bandidos estão fazendo aqui em Sobral”, publicou.

Sobral é o berço político da família Gomes. A cidade é o reduto eleitoral do senador e do seu irmão, Ciro Gomes, excandidato à Presidência em 2018. Sobral está hoje sob a gestão do prefeito Ivo Gomes, outro irmão do senador.

Ceará tem ataques a batalhões e comércio fechado

No Ceará, as manifestações de policiais e bombeiros militares e de seus familiares reivindicando aumento salarial da categoria ocorrem desde dezembro do ano passado. Grupos de encapuzados atacaram ontem batalhões da PM. As ações tiveram como alvo carros da corporação. Os pneus dos veículos foram furados e, em outros casos, os próprios carros foram levados das sedes. Em Sobral, onde o senador Cid Gomes (PDT) foi baleado, policiais ordenaram que comerciantes fechassem as portas no centro da cidade.

O secretário da Segurança Pública do Ceará, André Costa, afirmou ao G1 que parte dos envolvidos já foi identificada. Segundo o secretário, os policiais deverão responder criminalmente e sofrer sanções administrativas. André Costa ressaltou ainda que 261 PMs respondem a inquéritos militares e procedimentos administrativos por envolvimento nos atos e que os agentes serão retirados da folha de pagamento e não vão receber salário.

Três soldados foram presos por atos grevistas em Fortaleza na terça-feira. Os policiais estavam armados, usando balaclava, e secavam pneus de um carro da polícia no bairro Antônio Bezerra, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública.

Sem acordo

Na semana passada, o governador do estado, Camilo Santana (PT), chegou a anunciar um acordo com entidades que representam os profissionais da área. Pela proposta, o salário-base de um soldado passaria a ser de R$ 4,5 mil, com aumento progressivo até 2022, parcelado em três vezes. A remuneração atual da categoria é de R$ 3,2 mil. O impacto do reajuste no orçamento chegaria a R$ 149 milhões. Parte dos militares, no entanto, continuou a convocar manifestações pelas redes sociais.

Diante do impasse, o Ministério Público do Ceará (MPCE) emitiu um ofício no último dia 14 recomendando que o comandante-geral da Polícia Militar do estado impeça que os policiais promovam os atos. Na última segunda-feira, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) decidiu que agentes de segurança pública estão suscetíveis a prisões em casos de greve ou manifestações. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o direito de greve de servidores públicos de órgãos de Segurança Pública e proibiu qualquer forma de paralisação nas carreiras policiais.