Correio Braziliense, n. 21414, 02/11/2021. Economia, p. 7

Bolsonaro antecipa alta dos combustíveis

Israel Medeiros


O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), voltou a insinuar que dispõe de informações privilegiadas sobre reajustes de preços da Petrobras. Ao comentar a greve dos caminhoneiros, ontem, na Itália, ele disse que soube, “extraoficialmente”, que a Petrobras reajustará novamente os combustíveis daqui a 20 dias.

“Estou acompanhando (a greve). Agora, uma notícia que dou para vocês, a Petrobras anuncia, eu sei extraoficialmente, novo reajuste daqui a uns 20 dias. Isso não pode acontecer. A gente não aguenta”, disse ele a jornalistas.

A Petrobras, no entanto, rebateu o presidente. Em comunicado ao mercado, a petroleira frisou que não antecipa informações sobre preços dos combustíveis e que não há nenhuma decisão tomada por seu Grupo Executivo de Mercado e Preços (GEMP) que ainda não tenha sido anunciada. “A Petrobras reitera seu compromisso com a prática de preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato das volatilidades externas e da taxa de câmbio causadas por eventos conjunturais”, ressaltou a estatal.

O presidente também citou a possibilidade de uso dos dividendos que o governo recebe da Petrobras para criar subsídios no preço do combustível. “Queremos que isso seja revertido diretamente na diminuição do preço do diesel na ponta da linha”, pontuou. Ele também reafirmou que o “vilão” é o ICMS — que, porém, não teve alta nos últimos meses.

Bolsonaro voltou a defender a privatização da estatal e disse que há estudos em curso para tirar a empresa “das garras do Estado”, mas esse, segundo ele, é um processo que levaria anos. “Não é colocar na prateleira e vender amanhã. Esse processo vai durar mais de ano”, pontuou o mandatário, que afirmou que pediu ao ministro da Economia, Paulo Guedes para tomar as medidas necessárias.

Esta não é a primeira vez que Bolsonaro insinua ter informações privilegiadas sobre movimentos da Petrobras no mercado. Em 24 de outubro, em uma live, disse que a estatal faria um reajuste no dia seguinte — que foi confirmado. A Petrobras teve de explicar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que o presidente não teve acesso a informações antecipadas. Na semana passada, a autarquia abriu um processo administrativo contra a Petrobras após falas do governo sobre a privatização da companhia.

 Rodrigo Moliterno, sócio-fundador da Veedha Investimentos, explica que, para o mercado financeiro, informação privilegiada é um assunto sério. “É caso de penalidade, é uma situação gravíssima e geralmente resulta em punições severas”, disse. Ele argumentou que é natural que o governo tenha informações relevantes sobre o funcionamento da Petrobras, já que controla órgãos de fiscalização e é o principal acionista, mas alega que o chefe do Poder Executivo não deveria falar abertamente sobre isso, pois interfere nos movimentos do mercado.

 “Claro que a preocupação maior (na alta dos preços) se dá por causa da inflação, mas é óbvio que ele, enquanto chefe de Estado, não deveria falar essas coisas como várias outras. Isso acaba movimentando o mercado”, disse o especialista. Ontem as ações da Petrobras ordinárias da Petrobras subiram 3,72% e as preferenciais, 2,75%.

 Para Renan Silva, gestor da Bluemetrix Ativos, o mercado está receoso com a expectativa de uma nova ingerência na Petrobras, mas já se acostumou às falas inconsequentes de Bolsonaro. Ele alega que o poder de influência do governo não é exatamente um privilégio do governo brasileiro, e que outros governos também fizeram esse tipo de coisa, como foi o caso de Donald Trump, nos EUA.

 “Essas falas são de uma liderança que não tem tato com o mercado de capitais. Significa que há um risco adicional porque o mercado financeiro é o que financia a dívida do governo, não é só as ações. O governo tem que mostrar mais estabilidade. O mercado acaba tendo que fazer essa leitura o tempo todo do que é discurso e o que é prática”, completou.


Caminhoneiros: greve frustrada
Luana Patriolino
Rafael Felice


Convocada para ontem, a greve dos caminhoneiros teve baixa adesão em todo país. Mesmo com o preço do combustível batendo recordes, e com o forte apelo de líderes nas redes sociais, o número de profissionais que cruzaram os braços foi bem menor do que na paralisação de 2018, que provocou desabastecimentos em todo Brasil. Não foram registrados bloqueios das estradas federais. No entanto, representantes da classe garantem que o movimento continua e afirmam que se sentem traídos pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ao Correio, o deputado federal Nereu Crispim (PSL-RS), ex-caminhoneiro que participou ativamente do movimento de três anos atrás, afirmou que o chefe do Executivo não cumpriu as promessas que fez aos trabalhadores. "Quando era candidato à Presidência, Bolsonaro gravou um vídeo de apoio àquela greve, criticando a política de preços da Petrobras e todos esses problemas que temos agora", disse Crispim, que preside, no congresso, a Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas.

Crispim afirmou que os caminhoneiros não conseguem dialogar com o governo e criticou o auxílio de R$ 400 oferecido à categoria. "Esses R$ 400 que o presidente lançou como ajuda pegaram muito mal. Soaram como esmola", declarou. Segundo ele, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, designado interlocutor do movimento, vem travando as demandas da categoria. "Ele é um 'enrolão'. Só empurrou com a barriga os problemas, e não resolveu nada."

O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, conhecido como "Chorão", destacou que a situação dos caminhoneiros é praticamente insustentável. Ele calcula que os trabalhadores gastam entre R$ 3 mil e R$ 3.500 para abastecer um tanque de 600 litros. A média do litro do diesel está em R$ 5,22.

Chorão afirma que a categoria se sente esquecida. "Eles (governo) sabem o que tem que ser feito. Só que o ministro Paulo Guedes (Economia) não está nem aí para a classe trabalhadora e para o povo. Ele está preocupado com a turma dele de acionistas", disse. A classe pede a mudança da política de preços da Petrobras; aplicação do piso mínimo do frete; o retorno da aposentadoria especial com 25 anos de contribuição; e a redução do preço do diesel.

O Correio percorreu rodovias do Distrito Federal e Entorno e constatou a baixa adesão da greve. Nos últimos dias, decisões judiciais inibiram o fechamento de estradas, sob pena de multa. Em Luziânia (GO), nos postos onde os caminhoneiros costumam se concentrar, quase nenhum profissional afirmou participar da greve.

Apoiador do movimento, o autônomo Nilton Cesar da Silva Andrade, 51 anos, afirmou que vai deixar a estrada devido às más condições de trabalho e à baixa remuneração. "Se você viesse amanhã, veria uma placa de vende-se neste caminhão", disse. Ele disse que recebe R$ 10 mil para fazer uma entrega de grãos de soja no trajeto de Luziânia a São Paulo, mas só combustível e pedágio levam R$ 7 mil. Os R$ 3 mil restantes vão para manutenção do veículo. "Com o que sobra, a gente nem consegue comprar as coisas para a casa", relatou.