O Globo, n. 31564, 07/01/2020. Economia, p. 15

Colchão financeiro

Manoel Ventura
Daniel Gullino
Jussara Soares
Ramona Ordoñez


O governo federal estuda um mecanismo de compensação para o preço dos combustíveis no mercado interno. O objetivo é evitar que altas abruptas nos valores internacionais do petróleo sejam sentidas pelos consumidores do Brasil. O Executivo federal também avalia propor aos estados mudanças no ICMS, que incide sobre gasolina e diesel, numa tentativa de criar um colchão para os preços dos combustíveis. As medidas foram discutidas ontem, em uma reunião no Ministério de Minas e Energia da qual participou o presidente Jair Bolsonaro. O encontro foi marcado depois da alta no petróleo causada pela morte do general iraniano Qassem Soleimani em um bombardeio americano, na última sexta-feira.

— A palavra subsídio não é a palavra adequada. Uma compensação talvez seja a palavra adequada. O país bateu o recorde de produção de petróleo no fim do ano passado. Hoje, o Brasil é exportador. Se o preço aumenta, é bom para o país. Mas, evidentemente, aumenta o preço do combustível. Então temos que criar, talvez, mecanismos compensatórios, que compensem esse aumento sem alterar o equilíbrio econômico do país — disse o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após a reunião, manifestando preocupação coma inflação.

Segundo fontes do governo, uma das alternativas é a criação de um fundo de compensação, semelhante a mecanismos já usados no passado, de maneira a amortizar eventuais altas bruscas do petróleo no mercado internacional. Isso seria possível porque a arrecadação federal aumenta quando o petróleo sobe. Se o barril ultrapassa determinado patamar, a folga obtida na arrecadação seria repassada ao longo da cadeia de petróleo para que a variação de preço não chegue às bombas. Como o país tem aumentado sua produção, a arrecadação com royalties também tem subido.

A ideia de criar um fundo de compensação para mitigar variações bruscas de preço ao consumidor começou a ganhar força desde o governo de Michel Temer, após a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018. Desde então, os governos têm mantido interlocução direta coma categoria para evitar novas paralisações.

— Temos que ver mecanismos de compensação. Não sei se será com impostos. Se há maior receita, pode haver compensação em cima disso —completou o ministro.

Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro voltou a descartar intervenção nos preços dos combustíveis diante da alta do petróleo provocada pela crise no Oriente Médio, que concentra a maior parte da produção mundial. A commodity chegou a ser negociada ontem acima de US$ 70 o barril.

— Não existe interferência. Não sou intervencionista. Essa política está muito bem conduzida pelo almirante Bento —disse Bolsonaro.

Outra medida estudada pelo governo, também para compensação, é propor aos estados que reduzam o ICMS (imposto estadual) quando o petróleo estiver alto. A ideia deve ser apresentada aos estados, por meio do Comitê Nacional de Secretários Estaduais de se faz). Ao deixar o encontro, Bolsonaro pediu cooperação de governadores:

— Aproximadamente um terço do preço do combustível, no final, é imposto estadual, o ICMS. No Rio, por exemplo, está em torno de 30%. Esse é o problema que nós temos. Os governadores, com problemas em caixa, não deixam de, cada vez mais, buscar aumentar sua receita em cima do

ICMS dos combustíveis.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Décio Oddone, também participaram da reunião. Castello Branco afirmou que não recebeu orientação do presidente para controlar preços de combustíveis, e o ministro Bento Albuquerque reforçou o coro de que não há interferência do governo na Petrobras. Ele afirmou que as medidas em estudo não envolvem a estatal:
— As medidas são para que a gente não tenha no setor de combustíveis uma incerteza grande por parte do consumidor. Para ter uma resposta rápida e para que o país não fique refém de cada crise de petróleo que ocorra no mundo. Se o país tiver instrumentos, vai dar muita tranquilidade.

Analistas preveem ajuste

O presidente da Petrobras avaliou que não haverá crise econômica em decorrência da tensão no Oriente Médio:

— O polo econômico de produção de petróleo não é mais a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), são os países fora dela, especialmente os EUA. Evidentemente, surpresas podem acontecer, mas estamos acreditando que seja muito pouco provável que esse choque que houve, um aumento de US$ 3, resulte numa crise econômica.

Pela manhã, Bolsonaro havia dito que a “tendência” era que o preço do petróleo se estabilizasse. Para ele, o impacto da ação americana no Iraque “não foi grande”.

Ainda que o preço do barril do petróleo se estabilize na faixa dos US$ 70, analistas ouvidos pelo Globo avaliam que, como dólar acima de R$ 4, a Petrobras terá que aumentar os preços da gasolina e do diesel em suas refinarias nos próximos dias não só para evitar prejuízos à Petrobras. É preciso sinalizar para investidores interessados na compra das oito refinarias que a estatal pôs à venda que não haverá ingerência do governo na política de preços dos combustíveis.

— A Petrobras está esperando primeiro a poeira baixar e verificar em que patamar de preços o petróleo vai ficar para fazer o reajuste. Como fez em setembro de 2019, quando houve um ataque (atribuído ao Irã) a refinarias na Arábia Saudita. Com os preços do petróleo nesse patamar e o câmbio elevado, a Petrobras tem que aumentar os preços da gasolina e do diesel ainda esta semana. Não tem jeito, e a prioridade da Petrobras é privatizar as refinarias — disse Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Dúvida sobre Davos

Para o especialista, a criação de um fundo financeiro para amortecer impactos externos é uma boa ideia. Edmar Almeida, professor do Instituto de Economia da UFRJ, também acredita que logo a Petrobras vai reajustar seus preços. Para ele, o governo deveria aproveitara discussão da reforma tributária para avaliar também mudanças na tributação dos combustíveis que pudessem ajudara proteger o Brasil de alterações repentinas no preço internacional do petróleo.

A política de preços da Petrobras para gasolina e diesel tem como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais desses produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias.

Bolsonaro admitiu que pode não ir à reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, entre 21 e 24 deste mês, por “questão de segurança”. A viagem estava confirmada e passou a ser reavaliada após a escalada da tensão entre EUA e Irã:

— Estamos discutindo isso aí. Há a possibilidade de não ir.

“Não existe interferência (nos preços da Petrobras). Não sou intervencionista” _ Jair Bolsonaro, presidente