O Globo, n. 31563, 06/01/2020. País, p. 4

Vacina nas redes

Bruno Góes


Desde que sancionou a criação do juiz de garantias, na véspera de Natal, provocando a contrariedade do ministro da Justiça, Sergio Moro, e de parte de seus apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro busca defender sua decisão de endossar o texto do Congresso. A dor de cabeça causada pela sanção pode ser medida pelo destaque que o presidente tem dado ao tema em entrevistas e transmissões nas redes sociais. Na tentativa de unificar o discurso de seus seguidores e retomar a confiança dos descontentes, Bolsonaro citou o tema espontaneamente nas três transmissões ao vivo nas redes sociais feitas pós-sanção e em quase todas as entrevistas.

O desgaste ao sancionar a criação do juiz de garantias se somou a outra fonte de insatisfação de sua base, visível em críticas nas redes sociais: a reserva de dinheiro para o fundo eleitoral. Na transmissão de anteontem, Bolsonaro repetiu que, se o valor fosse de R$ 3,8 bilhões, ele teria como vetar, pois feriria o interesse público. Mas, ao se colocar contra o valor de R$ 2 bilhões (incluído no Orçamento), corria o risco de enfrentar um processo de impeachment.

Os gestos do presidente foram vistos por seus apoiadores como hesitação no combate à corrupção e às benesses para a classe política. Uma pesquisa Data folha, divulgada no início de dezembro, já apontou piora na percepção do trabalho anticorrupção do governo — 29% dos entrevistados classificaram o desempenho como ruim. No caso do juiz de garantias, Bolsonaro ainda ignorou Moro, que fez reiteradas críticas à medida, e passou a identificar uma divisão entre seus eleitores.

No dia seguinte à sanção, irritado, Bolsonaro foi às redes para criticar o que chamou de “batalhão de internautas constitucionalistas e juristas ”. Ele recomendou aos críticos que parassem de segui-lo pela internet se tivessem a disposição apenas de atacar.

— Falam que eu traí, que não votam mais e ligam (o caso) a alguma coisa familiar. Saia fora da minha página. Se não sair, eu vou para o bloqueio — ameaçou.

Há dois dias, no entanto, o presidente resolveu mudar de postura ao pedir paciência. Bolsonaro afirmou que não é justo que o seu eleitor “jogue tudo para o alto” caso discorde de uma decisão de seu governo ao mesmo tempo em que concorda com outras “99”.

— Lógico que se eu errar, desça a lenha, não tem problema. Mas pense antes de me chamar de traidor — ponderou.

O juiz de garantias terá a prerrogativa de observar a legalidade de investigações e decretar medidas cautelares, como prisões preventivas. No sábado, Bolsonaro fez questão de ressaltar que o novo juiz “não é nenhum ataque à Lava-Jato ”. Para justificar o ponto de vista, acrescentou ainda que a operação teve auxílio de outros juízes nas investigações. Segundo ele, Moro “não trabalhou sozinho”.

— Desceram o cacete sem fundamento. Eu tive dificuldade para entender o juiz de garantias, com gente especialista de verdade do meu lado. Me parece que está pacificada a questão. Não houve nenhum ataque à Lava-Jato . É uma lei agora que vai demorar anos para ser colocada em prática — afirmou Bolsonaro.

O presidente ainda fez questão de repassar a responsabilidade da nova legislação ao Congresso. Bolsonaro disse que “ninguém” contestou ou aprofundou a discussão sobre o assunto, seja na Câmara ou Senado.

Não foi só a Moro que Bolsonaro desagradou. Logo após a sanção, senadores foram surpreendidos pela notícia de que o presidente manteve no pacote anticrime o juiz de garantias. O trecho ganhou até mesmo o apelido de emenda “anti-Moro”.

No Senado, a expectativa era que o trecho seria riscado do texto pela caneta de Bolsonaro. Por isso, sua decisão foi mal recebida, especialmente pelo grupo “Muda Senado”, bancada informal que reúne um quarto dos parlamentares da Casa.

Ao revelar publicamente sua contrariedade com a sanção do trecho do pacote anticrime, Moro passou a ser cogitado como principal nome à sucessão de Bolsonaro por parte dos apoiadores do presidente.

No sábado, o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tentou minimizar a situação ao elogiar comentário do ministro da Justiça sobre a queda dos índices de violência.

“Agora entendem o porquê muitos vivem querendo azedar a relação entre Bolsonaro e Moro? Bolsonaro + Moro = queda no número de crimes”, escreveu Eduardo nas redes sociais.

Alta confiança em Moro

Ao mesmo tempo em que atua para explicar a seu eleitorado uma decisão que contraria Moro, Bolsonaro vê a popularidade do ex-juiz da Lava-Jato só aumentar. Pesquisa Datafolha, divulgada ontem, mostra que o ministro da Justiça é a personalidade em que os brasileiros mais confiam, considerando uma lista composta por 12 figuras da política. De acordo com o instituto, 33% dos entrevistados afirmaram ter alta confiança em Sergio Moro. O presidente Jair Bolsonaro aparece em terceiro na lista, com índice de “alta confiança” de 22%, atrás do ex-presidente Lula (30%).

Os entrevistados disseram, em uma escala de 0 a 10, o nível de confiança que tinham em cada um dos 12 integrantes da lista. As notas até 5 são consideradas baixo índice de confiança, de 6 a 8, médio, e 9 e 10, alto. O Datafolha levou em conta as notas atribuídas pelos entrevistados que dizem conhecer a pessoa em questão.

O Datafolha ouviu 2.948 pessoa sem 5 e 6 de dezembro em 176 municípios de todas as regiões do país. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos e o índice de confiança é de 95%. O resultado foi divulgado ontem pelo jornal “Folha de S.Paulo”.

No caso de Moro, 23% das pessoas ouvidas disseram ter média confiança, enquanto 42%, baixa. Já Bolsonaro tem, além dos 22% com alta confiança no presidente, o mesmo percentual com “média confiança”. 55% têm baixa confiança no chefe do Executivo.

Onde Bolsonaro teve ruído com seus apoiadores

> Juiz de garantias

O Congresso incluiu no pacote anticrime a medida que prevê dois juízes, um para conduzir o processo e outro para julgar. Moro criticou a decisão, que acabou sancionada.

> Fundo Eleitoral

O governo propôs um valor de R$ 2 bilhões, mas os parlamentares queriam elevar para 3,8 bi. Recuaram. Agora, Bolsonaro é cobrado para vetar o fundo, mas já indicou que vai sancionar em R$ 2 bi.