O Globo, n. 31608, 20/02/2020. País, p. 4

Barril de pólvora

Naira Trindade
Isabella Macedo
Amanda Almeida
Thais Arbex


Uma declaração do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, de que o governo não poderia aceitar “chantagens” do Congresso resultou em um novo embate de poderes. Os chefes das duas Casas do Legislativo federal reagiram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o ministro virou um “radical ideológico contra a democracia”, enquanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que “nenhum ataque à democracia será tolerado”.

O ministro recebeu conselhos de integrantes do governo a pedir desculpas a integrantes do Congresso por meio de um telefonema a Alcolumbre, mas não o fez até o fechamento desta edição. E em rede social, afirmou que, se há intenção de implantar o parlamentarismo, seria necessário alterar a Constituição. A aposta no Planalto, mesmo assim, é que o clima deve arrefecer devido ao feriado do carnaval e pelo fato de Heleno não ser articulador político.

O embate tem como pano de fundo a pressão do Congresso para derrubar os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao orçamento impositivo. Em áudio captado em uma transmissão ao vivo da Presidência pela internet, Heleno avaliou que o Executivo não pode aceitar “chantagens” do Parlamento o tempo todo.

— Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se — disse Heleno, na presença dos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia), que negociam o tema com o Congresso.

A tensão não foi apenas nesse momento. Na reunião ministerial feita anteontem pouco após o evento que revelou a insatisfação, o ministro bateu na mesa e orientou o presidente a “convocar o povo às ruas”. O ministro afirmou que a negociação com o Congresso sobre as emendas é uma “rendição” eque não há motivo para o Planalto ficar“acuado”. Bolsonaro, porém, pediu cautela e aconselhou a articulação política a costurar novo acordo. No Congresso, mesmo após as declarações, adis posição é a mesma.

Na semana passada, um acordo anunciado no Planalto faria com que o governo cedesse aos parlamentares o direito de indicara ordem da execução das emendas no Orçamento de 2020. Isso ocorreria coma derrubada de um veto do presidente, massem que o Congresso colocas senal ei previsão de punição ao gestor quedes cumprira regra. O governo ainda enviaria um projeto em que retomaria R$ 11 bilhões que estão carimbados como “emenda de relator”, deixando com os parlamentares o controle de R$ 31 bilhões. Após a ordem de Bolsonaro para renegociar, Ramos e Guedes estiveram anteontem com Maia e Alcolumbre e propuseram que o governo retome R$ 15 bilhões.

Convocação

A divulgação da declaração de Heleno pelo GLOBO, porém, aumentou a temperatura. Maia rebateu o ministro logo cedo, destacando o fato dele ser general da reserva e ter se beneficiado coma reformada previdência dos militares:

— Geralmente, na vida, quando agente vai ficando mais velho, agente vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro, pelo jeito, está ficando mais velho e está falando como um jovem, um estudante no auge da sua juventude. É uma pena que o ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento. Muito triste. Não vi por parte dele nenhum tipo de ataque quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva.

Alcolumbre fez coro logo em seguida:

— Nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento. O momento mais do que nunca é de defesa da democracia, independência e harmonia dos Poderes para trabalhar pelo país.

Heleno não falou com a imprensa e se pronunciou por meio de mensagens no Twitter, no mesmo tom crítico ao Congresso. Afirmou que existem “insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares” que reduzem “substancialmente” o orçamento do Executivo. “Isso, a meu ver, prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a Constituição”, afirmou o ministro.

Parlamentares defenderam que o ministro seja convocado para explicar no Congresso suas declarações.

— Está se tornando um governo que tem como característica falta de compostura e de noção da dignidade do cargo — disse o senador Tasso Jereissati (PSDBCE), defendendo a convocação.

“É uma pena que o ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia” — Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.

“O momento mais do que nunca é de defesa da democracia, independência e harmonia dos Poderes para trabalhar pelo país” — Davi Alcolumbre, presidente do Senado.

“Está se tornando um governo que tem como característica falta de compostura e de noção da dignidade do cargo” — Tasso Jereissati, senador (PSDB-CE).

Centrão racha em disputa pela principal comissão da Câmara

A disputa pela presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a mais importante da Casa, provocou uma divisão nos partidos do centrão. A maioria dos líderes agora acredita que a indicação cabe ao MDB, e não ao Republicanos, como alguns argumentavam antes.

Em uma reunião na terça-feira, lideranças do PP, PL, Solidariedade e MDB lembraram que, no ano passado, na eleição do atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ficou definido que o presidente da CCJ seria do MDB em 2020. No ano passado, coube ao PSL a indicação, e o escolhido foi Felipe Francischini (PR).

Na conversa desta terçafeira, alguns parlamentares, como o líder do PP Arthur Lira (AL), lembraram de terem sido testemunhas oculares da conversa que selou o destino da CCJ com o MDB neste ano. O presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), é vice-presidente da Câmara — para os demais líderes, acumular a vice com a CCJ seria dar poder demais a um só partido.

Rodrigo Maia não participou da conversa com os líderes do centrão. Representantes do Republicanos tampouco estavam presentes. O acordo final só será firmado após o carnaval, assim como a definição das demais comissões.

Há uma ordem de escolha dos partidos das comissões de suas preferências. O Republicanos está em sétimo lugar, depois do PSL, PP, PSD, PL e MDB. Por isso, não poderá forçar sua predileção pela CCJ se os líderes que estão na frente na fila não estiverem de acordo.

Com o acordo traçado entre os principais líderes do centrão em torno do MDB, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) perde o favoritismo que tinha à presidência da comissão. O MDB ainda não sabe quem irá indicar para a presidência.