O Estado de S. Paulo, n. 46957, 11/05/2022. Economia & Negócios, p. B1

Corte de tributo põe setores em guerra

Lorenna  Rodrigues
Adriana  Fernandes


A possibilidade de o governo zerar a tarifa de importação do aço para reduzir os preços do produto no mercado interno e, assim, ajudar no combate à inflação colocou em guerra dois gigantes da indústria nacional: os setores de siderurgia e da construção civil. A disputa tem como pano de fundo o risco de aumento de demissões no segundo semestre, justamente no auge da campanha eleitoral – que tem o presidente Jair Bolsonaro como candidato à reeleição.

Após o Estadão noticiar na segunda-feira que a equipe econômica estava pronta para oficializar a mexida, lideranças do setor siderúrgico desembarcaram ontem em Brasília para pressionar o governo. Depois de um encontro com o ministro da Economia, Paulo Guedes, eles foram até o Palácio do Planalto. Nas reuniões, segundo apurou a reportagem, ressaltaram que o setor tem dado apoio ao governo Bolsonaro e que, agora, as empresas seriam prejudicadas com a medida.

A decisão sobre o corte de impostos de importação deverá ser decidida hoje em reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que reúne representantes de vários ministérios, além da Presidência. Outros 10 itens também deverão ter a tarifa cortada, incluindo alimentos e insumos da construção civil.

O presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Lopes, disse que a redução só entrou no radar depois de pedido da construção civil, que reclamou do aumento dos preços dos vergalhões utilizados nas obras. Depois, ele acusou o setor de ter repassado a Guedes dados incorretos, como aumentos de preços de mais de 100% e risco de demissões no setor. "Isso não procede. Guedes falou de pressão intensa da construção civil, eles trouxeram ao ministro informações que não procedem", disse.

Reação. Procurado, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, reagiu às declarações. "Não estamos demitindo porque honramos nossos compromissos, estamos assumindo custos que eles (a indústria siderúrgica) nos geram, e irão gerar desemprego futuro", respondeu ele. As declarações foram feitas enquanto Marco Polo ainda dava entrevista. Para Martins, teria sido sinal de "desespero" das siderúrgicas.

"Nós nunca noticiamos isso, pelo contrário. Todas as nossas estatísticas mostram que estamos contratando. O que disse ao Paulo Guedes: a venda de hoje é emprego de amanhã. Não vender hoje significa que, na eleição em outubro, vai ter desemprego", disse Martins.

O Estadão teve acesso ao estudo apresentado a Guedes pela Cbic. Os dados mostram que o insumo com maior peso no aumento total do custo de material, no período de julho de 2020 a janeiro deste ano, foi o aço. O presidente da Cbic citou que o programa Casa Verde e Amarela, por exemplo, não tem reajuste. "Vendeu em 2020, subiu 30%, 40% o custo do material, e tem de honrar", afirmou. Ele acrescentou que 34% do aumento de custo do programa em um ano vem do preço do aço. Ainda segundo Martins, o presidente de uma empresa siderúrgica teria afirmado que o setor estava controlando a oferta do produto para pressionar os preços.

O setor de aço diz que há oferta abundante do produto no Brasil e que, enquanto na Europa os preços subiram mais de 100% e nos Estados Unidos, 70%, no Brasil a alta foi de 40%. O anúncio da redução do tributo derrubou ações das siderúrgicas, com Usiminas, CSN e Gerdau caindo 6,78%, 5,82% e 4,36%, respectivamente, na Bolsa de Valores brasileira (B3).

'Sensibilizado'. Após a reunião, participantes do setor disseram que Guedes "se sensibilizou" e pediu a sua equipe que reavalie a questão. De acordo com o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, o que estaria em discussão agora no governo é a redução do tributo apenas para vergalhões, de 10,8% para 4%, e não de todos os produtos derivados de aço. Procurado, o Ministério da Economia não se pronunciou sobre o tema até a conclusão desta edição.

O presidente do Conselho Diretor do Aço Brasil e vicepresidente da Gerdau Aços Brasil, Argentina e Uruguai, Marcos Faraco, disse que a decisão é "inócua" e atende apenas segmentos que querem aumentar a margem de seus negócios. "Nossa expectativa é de que o governo reverta a decisão", afirmou. •