O Globo, n. 31609, 21/02/2020. Sociedade, p. 26

Cruzeiro do coronavírus

Renato Grandelle


Caótico, pior que o visto na epidemia africana do ebola, tão grave quanto o acidente nuclear de Fukushima. O esquema de organização da quarentena imposto pelo governo japonês aos passageiros do cruzeiro Diamond Princess foi dinamitado por especialistas de saúde e gerenciamento de crise. O fim do pesadelo a bordo está previsto para este fim de semana, quando os 2 mil passageiros e tripulantes remanescentes serão retirados da embarcação, onde trabalhavam dois brasileiros.

Para o Japão, essas pessoas, de 56 países diferentes, estarão prontas para voltar às suas famílias após um último teste para a infecção por coronavírus. Assim que chegar o resultado negativo, o que leva dois a três dias, o passageiro pode descer e transitar livremente pela cidade de Yokohama. Mais de 600 já obtiveram essa autorização.

A repatriação dos turistas, porém, não deverá ser tão fácil. Inseguras com a proteção ao vírus oferecida pelos japoneses, nações como os EUA, a Austrália e o Canadá vão organizar um novo período de quarentena em seus territórios, de duas semanas. Ao menos cinco países já recolheram seus cidadãos que viajaram no navio. O governo americano levou 328 de volta para casa; 14 deles foram infectados pelo vírus.

Até agora, 634 pessoas contraíram a doença no Diamond Princess. Ontem, morreram duas delas — um homem e uma mulher japoneses, na faixa dos 80 anos de idade, que já estavam em terra firme.

Em resposta às críticas, o Instituto de Doenças Infecciosas do Japão afirmou ontem que o maior período de transmissão do coronavírus ocorreu antes da quarentena, embora a maioria dos casos tenha eclodido quando os passageiros já estavam impedidos de deixar a embarcação.

As condições dos trancafiados no cruzeiro chocaram especialistas como Kentaro Iwata, professor da Divisão de Doenças Infecciosas da Universidade Kobe, no Japão. Iwata viu que medidas de prevenção ao contágio não estavam sendo cumpridas —pacientes e pessoas sadias dividiam cabines e comiam juntos, quando o recomendável era que cada um fizesse sua refeição em espaços privados. Os equipamentos de proteção não eram usados corretamente. O vírus, segundo Iwata, estava em todos os lugares. Por isso, ao deixar a embarcação, ele se impôs um regime de quarentena.