O Globo, n. 31559, 02/01/2020. Sociedade, p. 23

Novo Fundeb

Paula Ferreira



A queda de braço em torno da discussão sobre a reformulação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) evidenciou dissonâncias internas no governo federal e empurrou para este ano a principal decisão na área.

O texto inicial da relatora da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) na Câmara, deputada Dorinha Rezende (DEM-TO), previa complementação de até 40% ao fundo por parte da União. Segundo fontes com acesso às discussões, no entanto, o índice deve cair e ficar entre 25% e 30% para facilitar sua tramitação na Casa e reduzir a distância em relação ao que foi proposto pelo governo federal, que sugeriu 15%.

O fundo é composto pelos impostos de estados e municípios e, atualmente, a União arca com 10% do montante para complementar o valor destinado a estados que não alcançam um valor mínimo por aluno.

Principal fonte de financiamento da educação básica pública no Brasil, o Fundeb corresponde a 63% de todo o recurso da etapa,e sua vigência termina em 2020.

A expectativa de estados e municípios era de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) fosse votada ainda em 2019 para que houvesse tempo hábil para reorganização das unidades de ensino no novo modelo. Mas o impasse sobre o tamanho da fatia do bolo de recursos que caberá ao governo federal adiou a decisão.

— Há uma preocupação nítida (com os valores). E também uma frustração com a impossibilidade de o novo Fundeb ter sido definido em 2019. A aprovação do Fundeb significa segurança na política de financiamento e a viabilização do que foi planejado — critica Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). — Este é um ano eleitoral, e 2021 terá novos governos municipais. A definição antecipada permite planejamentos que valorizem programas de Estado, e não de governo.

'Não dá pra brincar'

Enquanto o Ministério da Economia tem participado de algumas conversas com a Câmara para tentar chegar a um consenso sobre o percentual ideal de complementação da União no Fundo, o MEC elaborou um novo texto. Em audiência na Câmara, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que enviará proposta paralela ao Congresso.

Relatora da proposta original na Câmara, a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO) reagiu às declarações de Weintraub. Em sessão, ela afirmou que a Casa não vai "engolir uma PEC enviada pelo governo". Em entrevista ao Globo, a congressista voltou a criticar essa possibilidade:

— Não dá para brincar com a educação. A PEC do Fundeb está tramitando há muito tempo. Não temos o direito de sacrificar 48 milhões de alunos. Imagine o que aconteceria se começasse tudo de novo. E, após a aprovação da PEC, ainda precisamos de uma lei de regulamentação. E trabalhamos num texto que o Senado está acompanhando — disse.

A relatora acrescenta que conversou com o Ministério da Economia sobre fontes de recursos que viabilizariam a complementação da União. Recentemente, a Economia enviou uma PEC ao Congresso para extinguir 248 fundos existentes e a bancada da Educação defende que parte do montante economizado migre para o Fundeb. Redirecionar parte de recursos de desonerações de empresas também é estudado.

— O ministro Paulo Guedes ouviu com paciência os deputados, participou de maneira amistosa, sem ser belicoso. Mas falta diálogo por parte do MEC. Não adianta mandar técnicos para negociar. Por mais competentes que sejam, não têm poder de negociação. — comparou a deputada.

Presidente da Comissão de Educação na Câmara, o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) diz que falta força política na discussão sobre o Fundeb. Segundo ele, mesmo na Câmara, as divergências sobre o texto acabam dificultando a celeridade do processo. Cunha Lima argumenta ainda que o tema não entrou no radar de prioridades do governo e tampouco foi tratado de forma urgente em 2019 pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

— O MEC deveria ser um eixo de concentração de força política para trabalhar em um texto final, mas isso não está acontecendo. O ministério segrega ainda mais. No fim das contas teremos vários textos propostos e nenhum com força política para ser o protagonista do processo. A tragédia é ficar nesse nó e no fim das contas simplesmente prorrogar o modelo que já existe.