O Globo, n. 31609, 21/02/2020. País, p. 8

Flávio visitava Adriano na cadeia, diz vereador

Juliana dal Piva
Bernardo Mello



O senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) sempre disse que sua relação com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, morto em operação da PM da Bahia no dia 9 de fevereiro, se resumiu a reconhecer seu trabalho contra o crime no Rio, como na homenagem prestada quando era deputado estadual, em 2003. No entanto, o vereador do Rio Ítalo Ciba (Avante), sargento da Polícia Militar, contou ao GLOBO que, quando esteve na prisão com Adriano, os dois receberam “mais de uma vez” visitas de Flávio Bolsonaro Além disso, segundo Ciba, o ex-capitão do Bope frequentava o gabinete de Flávio a convite de Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio.

— Eu sei que o Queiroz, de vez em quando, chamava o Adriano para ir lá no gabinete. Ele (Adriano) ia no gabinete e, quando nós estivemos presos, o Flávio foi lá visitar a gente — disse o vereador. — Mais de uma vez.

O corpo de Adriano da Nóbrega foi submetido ontem, no Instituto Médico-Legal do Rio, a uma nova necropsia, conforme decisão da Justiça da Bahia. Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro e a família do ex-capitão do Bope defenderam uma nova perícia no corpo. A Justiça autorizou que peritos particulares indicados pela família acompanhassem os trabalhos no IML. O objetivo é, a partir do resultado, ajudar a esclarecer as circunstâncias da morte de Adriano.

O vereador Ciba integrava o Grupamento de Ações Táticas (GAT) do 16º BPM (Olaria), comandado por Adriano. Em 4 de novembro de 2003, ele, Adriano e outros seis policiais receberam de Flávio na Assembleia Legislativa uma “moção de louvor”. Alguns dias depois, porém, os integrantes do GAT foram presos e começaram a responder a um processo criminal por homicídio, tortura e extorsão. Nesse período, Flávio os visitou na prisão.

Questionado sobre as visitas, o senador respondeu, por nota, que esteve só uma vez na cadeia, em 2005, para ver Adriano e entregar a medalha Tiradentes. “Não há nenhuma relação de Flávio Bolsonaro ou da família com Adriano”, diz a nota.

Mais tarde, Flávio publicou mensagens no Twitter afirmando que esteve inúmeras vezes no Batalhão Especial Prisional (BEP). “Visitei inúmeras vezes o BEP para ouvir PMs presos injustamente. Vários foram inocentados e voltaram aos batalhões, trabalhando desmotivados porque foram abandonados pela Corporação quando mais precisavam”, escreveu o senador.

Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro também reagiu à revelação do GLOBO:

— Bota aí: já fui várias vezes ao BEP. Eu já fui ao presídio da Marinha no passado também.

Tortura e assassinato

Ciba diz que conheceu Adriano em 2002 quando foi trabalhar no 16º BPM. Entre outubro e novembro de 2003, Adriano e os colegas do GAT se envolveram, segundo a Corregedoria da Polícia Militar e o Ministério Público, no sequestro, tortura e extorsão de três jovens em Parada de Lucas, na Zona Norte. Os moradores chamavam o GAT de “guarnição do mal”. Segundo a ficha funcional de Adriano, as vítimas eram levadas para um terreno baldio no antigo Mercado São Sebastião, na Penha. Nesse local, os PMs foram acusados de torturar as pessoas e depois extorquir R$ 1 mil.

Em 27 de novembro daquele ano, eles foram apontados como os executores do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos. Na véspera, Leandro tinha denunciado as sessões de tortura. Foi assassinado com três tiros na porta de casa.

A corregedoria anotou na ficha de Adriano, a que o GLOBO teve acesso, que ele “consciente e voluntariamente, com vontade de matar, efetuou disparos de arma de fogo contra Leandro dos Santos Silva, inclusive após já estar caído ao solo”.

No dia 24 de outubro de 2005, os PMs foram condenados pelo tribunal do júri. Quatro dias depois, o deputado federal Jair Bolsonaro defendeu Adriano em discurso na Câmara — um “brilhante oficial”. Em novembro de 2006, porém, o júri foi anulado, e eles acabaram absolvidos, mesmo diante de provas técnicas apresentadas pelo MP.

Ciba negou as acusações sobre a morte de Leandro:

— Foi uma perseguição política — disse, acrescentando que a morte do guardador de carros ocorreu durante uma troca de tiros em uma operação policial na comunidade.

‘Adriano se queixava de perseguição por ser amigo do presidente’
Entrevista: Ítalo Ciba

Na entrevista em que revelou ter recebido “várias vezes” a visita do senador Flávio Bolsonaro enquanto esteve preso no Batalhão Especial Prisional (BEP) junto com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, o vereador Ítalo Pereira Campos (Avante) conta que o ex-PM morto no último dia 9 na Bahia frequentava o antigo gabinete de Flávio na Alerj junto de Fabrício Queiroz.

Por que o senhor e o capitão Adriano da Nóbrega foram homenageados por Carlos e Flávio Bolsonaro em 2003?

Foi por bons serviços prestados ao Rio. Não sei de quem foi a iniciativa. Não tenho só uma moção, não. Tenho mais de dez. Eu sou uma lenda viva na polícia. Nunca me escondi do trabalho. E o capitão Adriano também trabalhou muito, deu muito de si pelo estado.

Alguma vez Adriano contou como conheceu os Bolsonaros?

Não. Mas eu conheci Jair, Flávio, Eduardo bem antes do Adriano. Jogando bola, de infância. Em Magalhães Bastos, na Vila Militar. Joguei bola com os filhos. Logo depois que ele (Jair Bolsonaro) saiu (do Exército).

Chegou a ter maior amizade com a família?

Quando ele (Jair Bolsonaro) se separou da Rogéria, ficaram brigados. Eu que uni. Carlos, Flávio e o Eduardo, que moravam com a mãe. Eles não se davam. Eu fiz o futebol, um churrasco no meu terreno, chamei eles para jogar bola. Quando acabou o futebol, o pai estava lá, eles chegaram. Voltaram a se falar a partir dali. Por que nós, amigos do presidente, vamos ser perseguidos? É o que Adriano falou uma vez pra mim. Estamos sendo perseguidos porque somos amigos do presidente.

Então isso é recente?

Foi de passagem, esbarrei com ele no shopping. Ele falou assim mesmo pra mim: “Estamos sendo perseguidos porque somos amigos do presidente”. Não era presidente ainda não, devia ser deputado, candidato a presidente.

E o que mais ele disse?

Ele falou para mim que estava no recurso (para não ser expulso da PM). Com o Adriano, já foi perseguição pessoal do (ex-secretário José Mariano) Beltrame. Acho que Adriano não fez o jogo deles, aí começou a perseguição. Colocaram o Adriano na rua.

Como Adriano conheceu Bolsonaro?

Aí não sei. Sei que ele se dava muito bem com o Flávio, devido ao Queiroz, que trabalhou com Adriano lá atrás. Eu sei que o Queiroz, de vez em quando, chamava o Adriano para ir lá no gabinete. Ele (Adriano) ia no gabinete e, quando nós estivemos presos, o Flávio foi lá visitar a gente.

Flávio foi visitar lá?

Foi, foi.

Mais de uma vez?

Mais de uma vez. Ele bateu de frente quando nós dois fomos transferidos, naquela covardia que fizeram com a gente. A gente estava estava no (Batalhão de) Choque, o BEP (Batalhão Especial Prisional) não existia ainda. Depois criaram o BEP, fiquei três meses lá. A partir daí, o Flávio tomou à frente.

O senhor conheceu Ronnie Lessa?

Conheci. Quando entrei no 9º BPM, ele estava saindo. Aí logo depois teve o acidente (que resultou na amputação de uma de suas pernas). Não tive relação de amizade. Mas era sempre elogiado, (diziam que era) moleque bom. Existem os caras homens, existem os pilantras.

Lessa era da milícia? Por que acredita que ele tinha fuzis desmontados?

Ele tinha 200 de peças fuzis. Ele importava, montava (o fuzil), isso é dinheiro, pô. Não sei para quem ele vendia. Tem que perguntar para ele. Podia estar vendendo esses fuzis para a milícia. Aí tem que perguntar para ele. Esse papo de “disseram, falaram”, é vago.